Quiabarato...!

Deram esse apelido ao casal que aparecia na cidade de vez em quando. Sobretudo quando frutificavam os quiabais e se os vendiam de porta em porta, geralmente tendo um prato de alumínio como unidade medida. E era uma baba, das gerais. Diziam que as boas cozinheiras tinham a ciência de cozer o quiabo sem baba, mas pra mim, penso assim: quiabo sem baba é feito chapéu sem aba.

Voltemos, contudo, ao cru estágio dos quiabos e tratemos deles antes que os periquitos e maitacas os façam, com seus biquinhos afiadinhos, os danadinhos. O casal, ao que parece vinha caminhando nos batidos

trilhos que apontavam pros lados do Velho da Taipa, do Leandro Ferreira, mas o que importa é que iam ganhando barro ou poeira e se fundiam naquela visão terrosa, encardida, ainda que no fundo cheia de vida. Quiabos nos sacos de aniagem e o refrão da ocasião:

- Quia'barato!

Os farrapos do trajar de ambos bem que forcejavam para esconder tempos melhores doutrora, que, no entanto, se refluíam tanto na tácita harmonia com que ambulavam, quanto no sorriso da mulher - quiçá acabada para os seus quarenta e poucos anos - a exibir faceira, e de soslaio, restaurações dentárias frontais com o puro ouro das Gerais.

Entretanto, a surdez avassaladora do marido, se por um lado, o poupava do escárnio com que a rapaziada deles caçoava, por outro, nada barato, cobrou-lhe pesado tributo quando uma composição ferroviária - já cena rara naqueles ramais periféricos - o alcançou em meio aos trilhos. E apesar do aflito apito, quia'barato nunca mais foi ouvido em grito.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 20/02/2015
Reeditado em 16/10/2023
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