Acerca de Ramiro...

Ramiro andava de cabeça leve quando foi passar uns

dias com a irmã Anita. Mas pra criançada de ambas as

famílias, e da vizinhança, foi uma festa, festança,

tantas as novidades surgiam e se multiplicavam, apesar

da brevidade da visita.

Belzinha caiu logo de paixão pelo segundo filho do

visitante, não o Alírio, dos cabelos negros, mas o Ado

dos poderes gregos, e pose de Rudy

Valentino, em botão. Somadas as idades, o casalzinho

não chegava a vinte anos, mas já lhes parecia soar -

em segredo, compartilhado só no olhar - a lira da

eternidade.

Fora das armações do Cupido, nos entretínhamos,

contudo, com a caçulinha da família hollywoodiana, que

se esforçava para pronunciar seu próprio nome

corretamente: Conceição da Piedade Valadade. Valadares

ainda lhe era inacessível.

Até que surge a notícia arrebatadora: Ramiro, o pai da prole

havia fugido. Fugido pela janela, assim como ao mundo viera

e, como o povoado era muito pequeno para as suas

graças, resolvera tomar o rumo do mato, adjacente, e

menos gracejante.

Os adultos e os mais crescidinhos puseram-se-lhe ao

encalço e poucos minutos depois voltavam com nosso

herói, enrolado num providencial lençol. Ou seria

virol?

A partir daquela escapada, os familiares passaram a

tomar o maior cuidado e manter o homem sob cerrada

vigilância. Menos os dous pombinhos, que arrulhavam,

arrulhavam, e outros folguedos pra si arrumavam.

Restabelecido, e o susto já ido, Ramiro, do lado da

rua, vem conversar com papai, no nosso quintal, só com

uma telinha de arame fino a separá-los. Como se nada

tivesse acontecido, trocaram amenidades, argumentaram

e até filosofaram, para o gáudio da meninada que se

reuniu em volta, dos dois lados da cerca. Parecia

haver perdido a leveza a cabeça do Ramiro, todavia seu

pesado pé, ornado por um sapato marrom, deixou marca

indelével naquela cerquinha, que se abaulou de vez.

Fiquei brabo - mas só depois. E o externei a papai,

dizendo que ele devia cobrar o prejuízo ao Ramiro por

ter estragado a nossa cerca. O velho me olhou e

perguntou: tá ocê também de cabeça leve?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/02/2015
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