Canta, berimbau!

Há um ano eu decidi escrever, mas só hoje consegui um teclado. Sim, um teclado de computador (de que mais seria? Até porque não sou músico. Minha mãe até que sonhava com isso, porque meu pai foi um grande e famoso artista da área e ela acreditava na hereditariedade)...Aliás, eu tinha planos de escrever sobre como consegui o teclado mas agora mudei de ideia. Falarei sobre o meu pai. O meu falecido pai; porque agora tenho outro. Sim, minha mãe não dorme no ponto, como dizem as más línguas.

Meu falecido pai (que Deus o tenha) foi uma pessoa boníssima. Mas também não dormia no ponto e eu apareci no seu terceiro casamento. Que, aliás, foi quando eu conheci minha mãe, essa pessoa extraordinária aqui do meu lado (mandou beijos).

Pois bem, meu pai era músico e conseguia tocar um berimbau como nenhuma outra pessoa. Todo tipo de pelo se arrepiava só de ele tomar a vareta e encosta-la na corda. Era incrível. Ele tocava tão bem que foi convidado a fazer uma apresentação na festa de posse do prefeito aqui da cidade. Nessa ocasião, a mulher do prefeito chorou, emocionada. E depois pediu para o meu pai ensinar o instrumento a seus filhos, Pedro e Lara.

A partir desse dia meu pai ficou mais conhecido que cachorro de rua (que ele não esteja do outro lado ouvindo essa comparação!). Então, claro, tratou logo de abrir uma escolinha para ensinar quem quisesse aprender. E, na inauguração, adivinha quem se apresentou? Não, o prefeito. Estava tudo preparado para ser o meu pai, claro, mas o homem surgiu de repente e disse que queria retribuir o favor. Meu pai não gostou, mas aceitou, fingindo gostar.

O prefeito tocou dezessete músicas e três vezes o hino nacional com uma gaita comprada na feira. Sua apresentação fora quase eterna para qualquer ouvido. Até o Sr Afonso, o sapateiro mais paciente, cordial, simpático, carinhoso, amável, surdo, enfim, cheio de bons frutos e uma moléstia, aborreceu-se já no término da primeira música, que, só para você saber, tinha um refrão maior que perna de garça.

Mas, por sorte, a apresentação do prefeito acabou e o meu pai tomou o microfone. E fez um discurso tão bom (mas desnecessário) que a mulher do prefeito chorou, emocionada. E depois pediu para que o meu pai ensinasse a arte do discurso ao seu marido. Claro, o prefeito não gostou, mas aceitou, fingindo gostar.

A escolinha do meu pai começou muito pequena, fazendo jus ao diminutivo. Entretanto, vinte e seis horas mais tarde o salãozinho alugado já não suportava as dezoito dezenas de alunos. Por isso, já se sentindo um empresário de sucesso, meu pai teve que pensar na possibilidade de abrir filiais. Seu pensamento durou exatos três segundos. E por fim o meu velho comprou, em dinheiro vivo, as casas ao lado. Quatro casas ao todo.

Mas, para aumentar a história e fazê-la mais legal (sem estar mentindo, claro), tenho que dizer que ela não termina por aqui. Tenho que contar a você que no terceiro mês meu pai voltou a pensar na possibilidade de abrir mais filiais; agora, entretanto, em outros estados.

O pensamento do meu pai, dessa vez, durou exatos quatro segundos. E por fim ocorreu tudo certo. O homem que não tinha nada senão um arco na mão esquerda e uma vareta na direita agora era dono da maior escola de berimbau do país, a “Canta, Berimbau!”.

Hugo LC
Enviado por Hugo LC em 11/02/2015
Reeditado em 12/02/2015
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