Eis o homem...!

Com o taxi enfileirado já havia horas, Rélvio despertou do cochilo e sentiu que ia chegando a sua vez: olhou pra fila de novos passageiros desembarcados e, procurando manter-se firme no assento daquele fusca adaptado, e emprestado, mal podia crer no que via e no que estava por vir: Doze carros ainda à sua frente e o décimo-terceiro dos passageiros era ninguém menos do que aquele famoso político do vozeirão, e de tantas vozes contra e a favor, menos quiçá, do que por sua cor do que por se impor.

E era ele sim. Não havia como enganar, reconhecível à distância, pelo apuro e elegância, mesmo quando silente, de gogó saliente. Pô, nos seus seis meses de taxista em Brasília era a sua primeira chance de pegar um peixe grande, enorme... Quê é que iria lhe dizer, além de ser seu fã incondicional, de que também morria pelo Botafogo (embora fosse Olaria, mas olaria, não leva fogo, se consolaria) e que aquele "alô mamãe" do microfone da Câmara fora a expressão mais humana que ele ouvira de um representante do povo. Digno, honrado e reverenciado.

E não queria ficar só nisso. Se Deus permitisse ia-lhe dizer também que a vida andava dura. Que a féria do táxi, dividida com o patrão, mal dava pra alimentar a família, e seu sonho de levar os meninos pra tomar uma coca-cola e comer um misto quente no Conjunto Nacional vinha sendo adiado indefinidamente justamente pelas incertezas do

negócio. Mandar a mulher ao dentista então, uma precisão, pra consertar aquela falha de dente, botar um rote bonitinho, quando é que ele alcançaria aquela graça? Mas que Deus fosse louvado, todos andavam bem de saúde...

E ambas as filas iam-se encurtando, Rélvio já com o coração disparando, a cabeça já zoando: pedia um emprego na Câmara, varria chão, lavava latrina, faria qualquer negócio, mas precisava tanto de mais um bico, quer dizer, de um trabalho decente, remunerado, pra poder quem sabe voltar a estudar, dar uma vida melhor pros filhos...Ah, e tinha "umas composiçãozinha", coisa de sua imaginação, em momentos de fossa e de muita inspiração, quem sabe o Doutor, que ainda melhor como cantor, se interessaria...ver sem compromisso...

E já pronto dar o último avanço, fazer a reverência, saudar o homem com toda firmeza e decência, o Rélvio se dá conta que o objeto de seu desejo acabava de entrar no táxi imediatamente à sua frente, uma Brasília reluzente...

Diabos! Tão alto foi o brado do Rélvio que a freira que se aproximava se benzeu, compungida e desconfiada, entrou no carro e mandou tocar pro Núcleo Bandeirante - uma corridinha de merda.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 27/01/2015
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