Filho de Jésus
Tide! Oh, Tide! Tiiiiiiiiiiideeee! Era a voz trovejante, grave de Jésus que chegava à janela, olhar meio perdido no vazio, chamando o filho Matildes, que podia estar na rua a brincar, assim como podia estar levando as cabras ao pasto.
Matildes era o filho mais velho de uma prole numerosa. Bom filho, bom rapaz, ele que já ia entrando na adolescência e conseguia se equilibrar entre os estudos um tanto atrasados do primário com o trabalho doméstico e aquela paixão pelos brinquedos que não nos abandona tão cedo. Moreno, alto, corpulento ia saindo à imagem do pai, ainda que com a voz e disposição mais brandas. Com pouco já estaria empregado, também na fábrica, ajudando a mãe Zarica no sustento da casa.
O pai já não trabalhava, mal entrara na casa dos quarenta e os problemas circulatórios iam-lhe reduzindo as capacidades. Até mesmo a voz, apesar de trovejante, já andava rateando. Tinha a pensão do Instituto, mas o que incomodava mais não era aquela miséria de trocados e sim a incapacitação, ficar pela casa com muito o que fazer e pouco o que contribuir. A pele escurecida, a barba de muitos dias, o cabelo desgrenhado, prematuramente grisalho e, sobretudo o esgar perdido no vazio, davam-lhe a imagem de um furioso Zeus, do alto do Olimpo, ou de sua janela de um azul antigo, desbotado, a esbravejar contra os muitos malefícios que lhe contrariavam a vontade e lhe minavam as forças.
Uma ou outra vez, vinha quase se arrastando ao pé da porta, à rua, e se assentava, de pijama, também desbotado, amarfanhado, a ver, sem olhar, os passantes a passar. Ou talvez olhasse sem mirar, ser ver e sem se interessar. Longe pareciam ir os tempos em que era capaz de carregar toras de lenha, rachá-las naquela espirituosidade quase dionisíaca, ou então sangrar o cavalo para curá-lo de alguma moléstia (as crianças vizinhas achavam que ele queria era beber o sangue do pobre animal) e curar a ferida com a massa de sabão preto.
Tiiiiiiiiiiiideeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!!. E o filho não vinha