Tisnado e Dodô
Tisnado e Dodô revezam-se na faina de manter atraente aquela desordem permanente: sua venda. Não de secos ou molhados, mas de artigos tão variados que iam dos regadores de latão à pilha de rapaduras que se cristalizavam sobre o balcão.
Difícil contudo era lá entrar: de tanta coisa empilhada, ou melhor, amontoada, o espaço pra circulação era um nada. Ainda bem que freguês, se muito aparecia um de cada vez - ou ao mês. O que surpreendia é que ou por simulação, ou por ter tempo a riviria, tanto o Tisnado quanto o mano Dodô, aquele piso atijolado ainda varriam - e atrás da porta, vassoura elixo, escondiam.
Mas duas ou três portas mais havia, fechadas ou só emperradas. Numa delas, um disco de metal de colorido já esmaecido anunciava, sem alarido, e sem a venda jamais tê-la vendido, a Cafiaspirina Bayer. Mas naquele tempo, já se ouvia bem o tom, sendo Bayer havia de ser bom.
Solteiros convictos - e sem pendores para os amores duradouros - os irmãos vendeiros, já avançados nos anos, e sem declarados herdeiros, mas ordeiros, e lobos metidos em peles de cordeiros, mergulhavam na noite à procura dos confortos passageiros, rameiros.
E de pensar que uma cafiaspirina, quem sabe, bastasse para curar-lhes a inquietude dos espíritos. Ou um pedaço de rapadura, se é que aquele bloco compacto sobre o balcão pudesse ao menos ser rompido a golpes de facão.