Dois cigarros antes do crime perfeito

Quando se deu conta que ele só se apaixonava e desejava aquilo que era inalcançável, com um tom de quase impossível, já era tarde demais. Já tinha se doado toda naquele eterno se jogar nos braços do outro e no mundo que era sua rotina diária. Se entregado inteira. Deixado marcas profundas e rastros por cada canto da casa e do corpo dele. Os fios de cabelo espalhados pelo lençol, as roupas íntimas no armário, o cheiro entranhado no corpo e no olfato dele, o escândalo que era sua risada cravada naquela memória, o gosto aquoso de todos seus maiores gozos ainda impressos naquele paladar de homem faminto. Tudo compunha o cenário e exigiam a sentença de seu crime. Cansada, não conseguia controlar aquela estranha vergonha que sentia da cara descarada, porém um pouco charmosa, que ele exibia quando descobertas suas mentiras (que quase sempre eram contadas). Aquela era a maneira dele resistir ao que era palpável e concreto naquele relacionamento: o coração dela ao alcance de suas mãos. Sentiu-se cansada e resolveu desistir... um pouco... devagar... letalmente... para ter tempo de mudar de planos.

Quis apaixonar-se por outro alguém pela milionésima vez. Conheceu outra pessoa no trajeto para casa. Jogou conversa fora, como sempre. Depois do vivido repensou. Largou os planos recentemente recorrentes. Nem precisou acender o terceiro cigarro. Como em tantos outros momentos já sentia o sangue correndo acelerado outra vez em suas veias. Deixou-se viver e correr os dias, pois sabia que no fundo, aliás, nem tão no fundo assim, havia nascido pra viver um grande drama, afinal no cinema onde haviam os dramas mais densos, a trilha sonora era sempre melhor.

Janeiro de 2015