Amante da terra
- Vamos fazer alguma coisa?
- Vamos. O que?
- Que tu acha da gente ir pra cachoeira?
- Partiu.
- Calma aí que eu vou tomar um banho pra ficar bonito.
- Bonito?
- É. Não vou esquentar com a sua incredulidade pois você é cega.
- Eu? Cega? Sei. Mas escute. Pra que tomar banho pra ir pra água?
- Mulher! Você também vai tomar um... são 3 quilômetros até lá!
- O quê? 3 quilômetros? Tá maluco? Pode ir sozinho, ninguém me tira dessa cama, a não ser que a gente vá de táxi.
- Ah, claro, princesa. Vamos, pode mover essa bunda da cama e levantar.
- Qual é, homem, tenha piedade.
- Vamos, vamos, vamos...
Foi essa a conversa que me fez abandonar a cama macia e seguir o rastro de um maluco barbudo, com cara de roqueiro decadente e chinelos de dedos. Enfiei na cara meus óculos de sol e enfiei uma roupa de banho por baixo do vestido. Estava mais do que pronta para continuar na cama, mas segui pela trilha poeirenta em busca de água gelada. Na verdade, em busca de molhar os pés, pois nenhum de nós sabe nadar.
A paisagem pelo caminho, linda e camponesa. Máquina fotográfica na mão, me empolguei a ponto de pedir para ser fotografada. Grande engano, só veio confirmar o que eu sempre soube, não sou fotogênica e sequer caibo direito no foco, como dizem, sobram banha e simpatia, que seja. Ok. Sobram banhas!
Claro que a cachoeira nos encontrou úmidos, quentes, suados e cheios de poeira. Poxa vida, que diabos. A vontade era de enfiar a cabeça na água, e ficar lá até sumir o ar do pulmão, e se alguém ajudasse, segurar a cabeça lá até explodir os pulmões e a gente encontrar o Nirvana da morte, mas nada disso, tinha tanta gente naquele maldito lugar que a gente mal pisou na água. Sentamos numa pedra (eu na mais pontuda... pense num lugar bacana pra sentir dor nas nádegas) e ficamos curtindo o som alheio, volta e meia trocávamos uma palavra ou outra, estávamos meio cansados. No ponto que a água beija a terra, escrevi meu nome com uma pedra preta. Maria. Naquele momento, senti a força daquelas terras puxar meu nome para o interior.
Uma energia que sugou minhas forças e algo me sussurrou nos ouvidos, não escreva o nome dele, e nós vamos morar juntos, para sempre Maria. Para sempre! Senti arrepios pelo corpo todo. Ele não percebeu. A voz me prometia riquezas, amor, paz, felicidade. Enquanto meu nome era consumido pelo barro, comecei a crer naquelas promessas. Estava me sentindo seduzidas pelas águas, pela lama. Enfiei minhas mãos no barro e essa força me agarrou os dedos.
- Maria, que foi? Você está branca.
“Você ouviu? Ele te chamou de Maria, mas Maria não existe mais, não é verdade? Maria é minha. Minha Maria”. Ele sussurrava e eu concordava. Claro que eu era dele. Já não lembrava mais o que estava fazendo sentada ao lado daquele homem. Não o reconhecia, era mais um estranho, outro estranho no meio daquela multidão.
- Vou tirar umas fotos, já volto.
- Não vai levar a câmera?
Embrenhei-me pelas corredeiras daquela cachoeira. Jamais retornarei.