A mudinha

De meus albores pubescentes, estou certo que nada disse a mudinha. O que, contudo, me angustia é não saber com que impressão ela ficou, e como o tempo tudo afagou, não sei mais que faço eu, pra me libertar desse pretérito e iluminado breu. E se entre nós nada aconteceu, foi que não ousei ser Romeu.

Mudinha era uma vizinha, de idade feito à minha, que de meus sonhos por mais de um dia, reinou rainha. Era então nossa rua, eivada de lotes baldios, em meio a um casario modesto, espaçado, trilhas e por todo lado.

Não me cumprimentava, mas tudo eu lhe relevava, pois de lote em lote, com trouxa ou pote andava, e nunca me fez cara brava. Será que, silente, e divinamente rezava? Ou me execrava?

Vi se avolumarem seus peitinhos, sua silhueta ganhar sinuosidade, acne da mocidade, mas será que me tomava pro fra(u)de?

E se por um lado a espiava, por outro, solitários pecados expiava, o coração baloiçava, a mente se depravava e, indassim, era um doce suplício que eu antegozava.

Mas o tempo foi inclemente, inexorável, quinau passou na gente. Mudo ela me deixou, sem um adeus, quando se mudou.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/01/2015
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