Xanadu, X do X de X
Tava morto o Zé Luís. Nossinhora, receber uma carta daquela anunciado que ia morrer, que graça tinha agora viver? O menino não tinha mais do que seus doze ou treze anos. Pode até que fossem
catorze ou quinze, de mirradinho que era, ao contrário de seus irmãos, o Cisão, mais velho, aquele varapau sem fim, e o caçula, o Tuneca, que também parecia ser feito de outra argamassa, e de fermento que da conta passa.
E logo o Zé Luís, que infeliz em bis, recebe aquela misteriosa ameaça, que começava com o Xanadu, X do X de X e já ia logo o nomeando e dizendo que ele ia morrer. Tudo escrito a tinta azul, numa meia folha de caderno, grafia sofrível, mas intimidariamente legível.
Que fazer? Os pais, zelosos e a Deus tementes, tinham agora mais uma razão para o seu temor, com aquele papel na mão, chamando os colegas e amigos do Zé Luís que passassem em frente à sua casinha, no beco dos Canudos, aquela tortuosa ruela, calçada agora com a porcaria daquele poliedro, e ainda quase toda sem passeios, pois do meio-fio até casas era obrigação individual dos moradores, e poucos tinham condições para preencher aquele espaço com cimento, ou ainda que só o ciclope.
E fomos entrando, casa adentro - ela também de interior singelo, piso de terra, um fogão de lenha aceso - seria a última refeição do Zé Luís?
Mas nos restringimos da morbidez. Já bastava a carta e a preocupação extrema dos pais.
Ninguém se preocupava então com a procedência daquela estranha missiva, ou o com detalhe de que Xanadu, ao menos nas revistas, era a residência do Mandrake. Chamar a Polícia não parecia fora de cogitação, mas pairava aquele dúvida atroz: será que eles iriam ligar para o pedido, conseguiriam decifrar o mistério antes de execução da ameaça? E o que teria feito de errado o Zé Luís pra merecer aquele
castigo, aquele fim infeliz?
Jogava bola com a gente, na natação na piscina, ou em algum riacho era o mais medroso da turma, nunca chamava a alguém na gozação ou pelo apelido, au contraire do que faziam com ele de forma tão abusiva. Era Cheiroso o seu mais pungente apelido. E além de padecer com aquela pecha, não parecia que ia se livrar tão cedo - a menos que a ameaça... - pois o par de sapatos de plástico preto que usava o traía. Tirá-los na presença dos outros era afastá-los léguas, tal o chulé que
o plástico provocava nas suas sudoríparas glândulas podais.
Só o Marcim da Lia, rimante com estripulia, é que não apareceu pra prestar solidariedade ao Zé naquele dia. Andava ainda arisco depois de um nebuloso episódio dos pudins, em que acumulara uma dívida de mais de duzentos cruzeiros no Bar do Larico, onde comprara fiado tendo-se identificado sempre como irmão mais velho do Zé Luís. Mas, e se viesse, que sentença proferiria?