555-O TRISTE FIM DE PÉ DE CHUMBO -Criminal

Quando rapaz, era chamado de Pé Leve. Famoso, por sua habilidade em pular muros, galgar telhados ou caminhar por cumeeiras. Habilidade que usava nas noites e madrugadas da grande cidade, para ganhar a vida, isto é, para chegar aos locais de trabalho ou para fugir de eventuais perseguições da polícia.

Até os policiais que o caçavam, respeitavam sua maestria em correr e pular, saltar e fugir.

A genética não perdoou Pé Leve. As varizes nas pernas, herança paterna, apareceram ainda quando jovem e foram engrossando a batata da perna, provocando inchaços nos tornozelo e aumentando o tamanho dos pés. As câimbras passaram a ser constantes, não tinha hora nem dia para paralisar suas pernas. Engordou, perdeu a agilidade e a leveza dos pés. Ganhou novo apelido: Pé de Chumbo.

Nem por isso deixou as atividades de meliante. Sua figura balofa e pesada podia ser vista correndo pelos telhados, qual uma negra pantera obesa ou um gorila de enorme barriga e pernas grossas. A polícia não conseguia alcançá-lo nem com cães amestrados.

Protegido pela escuridão da noite, lvoava Pé de Chumbo de telhado para telhado, evitando as noites de luar ou os locais bem iluminados. Atuava de preferência na periferia da cidade, onde a presença da polícia era rara.

Atendia a encomendas. Por isso, suas incursões no bairro industrial eram frequentes, a fim de pilhar mercadorias ainda nos galpões das fábricas. Os homens da segurança dos galpões visados por Pé de Chumbo mantinham-se em constante alerta, o que era inútil, pois ele era ainda esperto o bastante para burlar a mais severa vigilância.

Foi numa dessas incursões em escura noite de junho, o frio enregelante e o vento cortante varrendo os telhados, que ele se viu ameaçado. O galpão que servia de depósito de uma fabrica de roupas era o alvo visado. Conseguira entrar pelo alto do telhado, encheu um grande saco com calças jeans e estava de volta ao telhado, quando foi visto pelos seguranças.

Apitos, gritos e alarmes quebraram o silêncio da noite. Tiros foram disparados, mas nenhum atingiu o vulto que saltava de telhado para telhado, agarrando o saco com o produto do roubo.

Apareceu um carro da policia e o cerco se fechou. Pé de Chumbo entrou em pânico pela primeira vez. E num momento de descuido, num salto mal calculado, pisou numa telha de amianto que não suportou seu peso. Quebrou-se a telha e afundou-se Pé de Chumbo.

Caiu exatamente dentro de uma caixa d'água. Enorme depósito da indústria, a água gelada abriu-se para o corpanzil do ladrão, que foi ao fundo. Tentou safar-se. Uma repentina câimbra paralisou a perna direita, desde a virilha até o calcanhar. Desesperado e tolhido pela dor, tentou alcançar a borda do grande tanque.

Além da dor, a incapacidade de movimentar a perna foi fatal. Conseguiu agarrar a beirada da caixa com as mãos, mas o peso do corpo foi maior do que sua força para elevar-se ou mesmo, para manter-se agarrado à borda da caixa. .

Afundou e afogou-se. Quando os homens da segurança e os policiais chegaram até à caixa, o corpo estava no fundo. Ninguém se atreveu a atirar-se na água gelada para resgatar Pé de Chumbo.

Nada mais havia a ser feito pelos homens do corpo de bombeiro, ao chegarem cerca de quinze minutos após, senão retirarem o corpo sem vida da caixa d’água.

A ambulância saiu gemendo lugubremente na madrugada, levando para o Instituto Médico Legal o que tinha sido o ágil ladrão das madrugadas, conhecido como Pé de chumbo.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 24 de junho de 2009

Conto # 555 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/11/2014
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