551-IRMÃO CONTRA IRMÃO

Lian e Chen nunca se entenderam. Apesar dos sábios ensinamentos ministrados pelo pai, velho camponês da província chinesa de Kung-Meng, os dois, desde criança, eram briguentos e viviam se estranhando mutuamente.

Lian, o mais velho, era medroso e não se arriscava a nada. Quando iam à aldeia não gostava de voltar à noite, tamanho era seu medo dos espíritos dos ancestrais.

— Ora, Lian, deixa de ser medroso. Não existe fantasma nenhum no caminho - Chen dizia em tom de chacota, insistindo em voltar para a pequena propriedade rural muito depois do sol se esconder por trás das montanhas, quando o negrume tomava conta de tudo, inclusive da pobre alma de Lian.

Cresceram assim. Deixaram os pais quando foram trabalhar na cidade. Progrediram, cada um a seu modo, e em poucos anos tornaram-se homens realizados.

Lian, cujo medo jamais o abandonou, entrou para o ramo de administração de imóveis. Chen, mais ousado e atrevido, ingressou no exército e em pouco tempo conseguiu um bom posto.

Pouco se viam, cada qual ocupado com sua atividade e tocando a vida. Nunca se visitavam e mantinham uma distância hostil.

Enquanto Chen subia na carreira militar, Lian passava por dificuldades.

O negócio de Lian não ia bem. Após alguns anos, a administração de imóveis deixou de ser uma atividade rentável. Sem ter iniciativa de abandonar o ramo e passar para outro tipo de negócio, foi contraindo dívidas. Chegou a um ponto insustentável. Para ele, apenas uma saída se afigurou: pôr fim á própria vida.

A cidade de Guang-Zhyu é de médio porte, cortada por um rio, cujas margens são ajardinadas e onde crescem choupos que se debruçam sobre as águas. A ponte Haizhu, no centro da cidade, é movimentada, mas tem uma triste fama: é o local escolhido pelos desesperados para se suicidarem. Muitos se atiraram dali e, conquanto a queda fosse de apenas oito metros, a morte era certa, devido à forte correnteza. Se os suicidas não morriam na queda, o afogamento era certo.

Lian não escolhera aquela manhã para se atirar da ponte. Ia passando, remoendo a idéia, quando parou, saltou a mureta e ficou de pé na pequena saliência externa da ponte. Abaixo dele as águas passavam revoltas e céleres, numa correnteza assustadora.

Como já se disse, Lian não era uma pessoa ousada: titubeava constantemente e, nessa ocasião, vacilou ainda mais. Ao vê-lo parado na saliência da ponte os transeuntes foram parando = incertos, receosos de que um socorro, uma mão estendida, em vez de ajudar, precipitaria o ato suicida. Não demorou muito e uma pequena multidão formou-se na ponte. A polícia chegou e um cordão de isolamento foi feito em torno do local.

No seu caminho para o quartel, Chen defrontou-se com a multidão. Irritado, pois se preocupava com um possível atraso, foi abrindo caminho entre as pessoas, que se afastavam ante o ímpeto do homem fardado. Ao chegar até o cordão de isolamento, reconheceu o irmão. Decididamente, rompeu o cordão. Os guardas cederam, impressionados pela farda do militar.

Ao chegar rente ao irmão, quando todos pensavam que a mão seria estendida para salvar o homem na estreita beira de pedra, Chen o empurrou, precipitando-o para as águas sob a ponte.

A multidão gritou ao mesmo tempo em que os guardas avançaram e prenderam Chen.

O suicida caiu. Abaixo, sob a ponte, uma rede havia sido estendida pelos bombeiros, entre as duas margens do rio. Lian foi salvo da queda e das águas tumultuosas, escapando ileso.

A farda e os galões não impediram a prisão de Chen. Na delegacia, o chefe de policia ouviu com paciência as declarações do militar.

— Eu o empurrei porque o conheço. É um medroso. Os suicidas, como ele, são muito egoístas. Suas ações violam muitos dos interesses públicos. Eu ia para o quartel e a multidão me deteve. Fiquei irritado, pois iria chegar atrasado ao quartel. Ele realmente não se atreveria a suicidar. Queria era atrair a atenção das autoridades. É um medroso, e só faz as coisas quando é empurrado

— O senhor parece conhecer a vítima muito bem! — Exclamou o delegado.

— Sim — respondeu Chen, com orgulho psicótico. — Tenho certeza do que digo, pois ele é meu irmão.IRMÃO CONTRA IRMÃO

Lian e Chen nunca se entenderam. Apesar dos sábios ensinamentos ministrados pelo pai, velho camponês da província chinesa de Kung-Meng, os dois, desde criança, eram briguentos e viviam se estranhando mutuamente.

Lian, o mais velho, era medroso e não se arriscava a nada. Quando iam à aldeia não gostava de voltar à noite, tamanho era seu medo dos espíritos dos ancestrais.

— Ora, Lian, deixa de ser medroso. Não existe fantasma nenhum no caminho, Chen dizia em tom de chacota, e insistindo em voltar para a pequena propriedade rural e muito depois do sol se esconder por trás das montanhas, quando o negrume tomava conta de tudo, inclusive da pobre alma de Lian.

Cresceram assim. Deixaram os pais quando foram trabalhar na cidade. Progrediram cada um a seu modo, e em poucos anos tornaram-se homens realizados.

Lian, cujo medo jamais o abandonou, entrou para o ramo de administração de imóveis. Chen, o atrevido, ingressou no exército e em pouco tempo conseguiu um bom posto.

Pouco se viam, cada qual ocupado com sua atividade e tocando a vida. Nunca se visitavam e mantinham uma distância hostil.

Enquanto Chen subia na carreira militar, Lian passava por dificuldades.

O negócio de Lian não ia bem. Após alguns anos, a administração de imóveis deixou de ser uma atividade rentável. Sem ter iniciativa de abandonar o ramo e passar para outro tipo de negócio, foi contraindo dívidas. Chegou a um ponto insustentável. Para ele, apenas uma saída se afigurou: pôr fim á própria vida.

A cidade de Guang-Zhyu é de médio porte, cortada por um rio, cujas margens são ajardinadas e onde crescem choupos que se debruçam sobre as águas. A ponte Haizhu, no centro da cidade, é movimentada, mas tem uma triste fama: é o local escolhido pelos desesperados para se suicidarem. Muitos se atiraram dali e, conquanto a queda seja de apenas oito metros, a morte era certa, devido à forte correnteza. Se os suicidas não morriam na queda, o afogamento era certo.

Lian não escolhera aquela manhã para se atirar da ponte. Ia passando, remoendo a idéia, quando parou, saltou a mureta e ficou de pé na pequena saliência externa da ponte. Abaixo dele as águas passavam revoltas e céleres, numa correnteza assustadora.

Como já se disse, Lian não era determinado: titubeava constantemente e, nessa ocasião, vacilou ainda mais, a ponto de que os transeuntes foram parando, incertos, receosos de que um socorro, uma mão estendida, precipitaria o ato suicida. Não demorou muito e uma pequena multidão formou-se na ponte. A polícia chegou e um cordão de isolamento foi feito em torno do local.

No seu caminho para o quartel, Chen defrontou-se com a multidão. Irritado, pois se preocupava com um possível atraso, foi abrindo caminho entre as pessoas, que se afastavam ante o ímpeto do homem fardado. Ao chegar até o cordão de isolamento, reconheceu o irmão. Decididamente, rompeu o cordão. Os guardas cederam, impressionados pela farda do militar.

Ao chegar rente ao irmão, quando todos pensavam que a mão seria estendida para salvar o homem na estreita beira de pedra, Chen o empurrou, precipitando-o para as águas sob a ponte.

A multidão gritou ao mesmo tempo em que os guardas avançaram e prenderam Chen.

O suicida caiu. Abaixo, sob a ponte, uma rede havia sido estendida pelos bombeiros, entre as duas margens do rio. Lian foi salvo da queda e das águas tumultuosas, escapando ileso.

A farda e os galões não impediram a prisão de Chen. Na delegacia, o chefe do de policia ouviu com paciência as declarações do militar.

— Eu o empurrei porque o conheço. É um medroso. Os suicidas, como ele, são muito egoístas. Suas ações violam muitos dos interesses públicos. Eu ia para o quartel e a multidão me deteve. Fiquei irritado, pois iria chegar atrasado ao quartel. Ele realmente não se atreveria a suicidar-se, queria era atrair a atenção das autoridades. É um medroso, e só faz as coisas quando é empurrado

— O senhor parece conhecer a vítima muito bem! — Exclamou o delegado.

— Sim — respondeu Chen, com orgulho psicótico. — Tenho certeza do que digo, pois ele é meu irmão.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 30 de maio de 2009

Conto # 551 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/11/2014
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