Uma Voz no Cemitério
Aconteceu-me uma coisa engraçada no Carnaval de 1976. O Carnaval, festa tradicional aqui nos Açores, mais propriamente na Ilha Terceira, festejados com grande diferença das outras ilhas, com danças e comédias, acompanhadas pelos habituais mascarados.
Nas Sociedades Recreativas e outros locais habituais da Ilha, acumulavam-se pessoas até às altas horas da madrugada, para verem e ouvirem os dançarinos e todos os comediantes que por ali passavam.
Era uma das últimas noites de Carnaval desse ano e havia menos estrelas no Céu, do que máscaras nas ruas.
A porta dos Teatros apinhava a multidão; dos altos brados dos vendedores de aperitivos e chocolates, e, os agudos falsetes dos mascarados atordoavam os ouvidos.
Como algumas pessoas, só gosto de ver e assistir. Nunca participei em festas Carnavalescas, mas apreciava-as muito.
Às vezes, demoravam algumas danças a chegarem ao local e na ansiedade de vê-las, percorria a outros locais, a pé, às freguesias confrontantes com a minha, pois, algumas danças estavam noutras freguesias e demoravam a chegar à da sua origem,
Esta história, baseia-se numa ida dessas, em que eu fiz nesse ano, à freguesia de São Brás, pois morava na freguesia de Lajes. Mas, era mais fácil, atravessar pelos atalhos do que ir pelos caminhos, pois nessa altura era difícil ter automóvel e eu não o tinha.
Tive que passar perto do Cemitério da freguesia de São Brás, sendo a única passagem para o local festivo, por atalhos. Havia uns “passadores”, ou seja, uns degraus, executados nas paredes dos “cerrados” ou terrenos e um desses, ficavam mesmo junto à parede do Cemitério.
Ao subir os ditos degraus, o meu ombro, ficava ao nível de altura, do cimo do muro. De repente ouvi uma voz, vinda de dentro do Cemitério:
- Eh! Dê-me cá uma mão!
Ao ouvir, corri pelo atalho fora, caindo um pouco mais à frente. Levantei-me e pensei para comigo; “Não pode ser! Será que realmente existe fantasmas? Não!”
Segui o meu caminho e ao chegar ao local festivo, estava acabando de estrear uma dança de espada. A sala estava cheia. Aproximei-me de um amigo meu e contei o sucedido. Ele começou a rir e desafiou-me a acompanhá-lo até ao cemitério.
Ao chegar perto, ele olhou-me e disse:
- Ouves? Aquela voz é-me conhecida! Tu não sabes quem é que está dentro do cemitério?
- Não! – Respondi admirado.
- É o Tio Joaquim das Horas. Então não o conheces? Ele vai tanta vez para a tua freguesia!
- Oh! É verdade! Mas como eu não ouço bem, apenas ouvi um grito e a maneira como ele gritou, causou-me arrepios na espinha!
O meu amigo, subiu acima dos degraus e estendeu a mão ao tio Joaquim, puxando-o cá para fora. Foi fácil, ele era pequeno e leve, pois o meu colega era forte. Ao chegar cá fora, o meu colega perguntou:
- Tio Joaquim, esclareça-nos como foi que ali dentro, no cemitério, foi parar?
- Bem, – principiou ele, – ia até à freguesia das Lajes, pensando ser mais rápido, vim por aqui, pelos atalhos.
O meu amigo, olhou-me e sorriu.
- Ao subir os degraus, – continuou ele, – o vento atirou-me com o chapéu para dentro do muro do cemitério. Subi a parede e saltei, pois não tenho medo dos mortos !
O meu colega olhou-me e disse sorrindo:
- Pois, aqui o Oldemiro tem medo e acredita em fantasmas!
- Não gozes comigo, - respondi – nem sabes o susto que passei e quase rompi as calças no joelho, quando caí.
- Ah! Ah! – Riu-se o Tio Joaquim. – O problema foi quando foi para sair. O muro pelo lado de dentro é mais alto e eu não chegava ao cimo da parede e por isso quando ouvia alguém, chamava e pedia para me dar uma mão, ao que todos fugiram.
- Mas, houve outros? – Perguntou o meu amigo.
- Sim! -respondeu o Tio Joaquim.
O meu colega virou-se e disse-me:
- Olha, deixa de andar pelos atalhos, pois sempre ouvi dizer que quem mete-se por eles, mete-se em trabalhos.
Concordei.
FIM