486-É PROIBIDO MORRER-

O assunto, mórbido na raiz, já foi tratado por diversas vezes na literatura. Jorge Amado colocou como principal problema da administração do prefeito Odorico Paraguassú a falta de defunto para inaugurar o cemitério de Sucupira. Érico Veríssimo também andou por essa seara, em Incidente em Antares, quando os mortos não eram enterrados. E a literatura de terror está cheia de casos em que mortos e cemitérios fazem parte obrigatória dos textos de autores famosos.

Conheço uma cidade no sul de Minas onde, por volta de 1905, houve a mudança de um cemitério. Ou seja, o cemitério municipal, cercado por todos os lados pelas casas que foram construídas ao longo do tempo, ficou situado no centro da cidade. Por motivos estéticos e sanitários (o prefeito eram então eminente médico) foi feito o traslado dos restos mortais, isto é, das ossadas humanas, para o novo campo santo.

O quarteirão liberado foi transformado em praça pública, com um jardim onde palmeiras imperiais (depois de muitos anos) erguiam-se altaneiras. Foi chamado de Jardim Novo e, não obstante anos depois ter recebido o nome de importante político local, ainda é conhecido como Jardim Novo, embora agora já seja centenário.

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O problema de espaço na Europa, principalmente na França, é caso muito sério. A pequena vila de Sarpourenx enfrenta a falta de terreno no pequeno cemitério. Não há lugar para novos defuntos. Quem não tem lote no cemitério, já adquirido anteriormente, não tem como ser enterrado no cemitério local.

O prefeito de Sarpourrenx explicou aos jornalistas, numa entrevista recente:

— Nosso cemitério faz divisa com a cidade vizinha. Tentei obter o terreno ao lado, para ampliação do cemitério, mas não consegui.

— Mas prefeito, já existem dois mortos desta vila esperando para serem enterrados. Como vai ser?

— Se morreram aqui, é por que não respeitaram o regulamento que foi estabelecido. São transgressores da lei, e, como tal, não podem reclamar nada. Podem até ser punidos se teimarem em ser enterrados em Sarpourenx.

O regulamento do prefeito Gerard Lalanne é o seguinte:

AVISO AOS MORADORES DA VILA DE SARPOURENX

Todas as pessoas que não possuem um lote no cemitério local

e gostariam de ser enterradas em Sarpourenx

estão proibidas de morrer nesta paróquia.

Transgressores serão severamente punidos.

Assim, pelo menos até que se encontre terreno para construção de novo cemitério (o que não parece ser fácil na super-povoada região onde fica Sarpourenx), os seus 260 habitantes estão literalmente PROIBIDOS DE MORRER!

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 17 de março de 2008

Conto # 486 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/11/2014
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