Debaixo d'água
Sentou no chão, olhando as pastilhas da parede. Verde claro, azul claro, branco. Olhou pra cima e viu a água caindo bonita que nem chuva. Caía forte, constante, clara. Estava ali há quarenta, cinquenta minutos. A água já foi mais confortante. Hoje é bonita, é verdade, mas é uma beleza de doer os ossos. Mas havia companhia. Uma mulher sentada ao lado permanecia em silêncio e também olhava a água. Com um suspiro, começou:
- Também acho essa situação patética. O tempo está passando.
Alguém respondeu com um meneio lento. E continuou:
- Estamos aprendendo a vê-lo passar. É difícil.
Entre as frases espaçadas ninguém tirou os olhos da chuva artificial. A mulher ficou de joelhos, com as mãos pousadas nas coxas. Parecia que esperava poder subir, mas todos ali sabiam que logo estariam espremidos no batente de uma porta fechada, todos tentando passar ao mesmo tempo, ou perdidos em uma estrada em declínio. Ali não poderiam nunca ascender, mesmo que isso significasse apenas levantar-se ou ficar em pé. Só poderiam descer. De preferência, rolando ladeira abaixo. A mulher de joelhos continuou:
- Só aconselharam o de sempre, um monte de merda. Disseram que temos de ser menos "passionais", menos "viscerais". Que tem de haver "controle", "comedimento", e acima de tudo, "foco". E pode colocar umas aspas grandes pra caralho nesses termos chulos. Mas a verdade é que vamos acabar em nada, pelo jeito. Agora ser passional é coisa de gente desgraçada. Viramos doença. Depois reclamam que é tudo frio, cinzento, que as pessoas são duras e escrotas o tempo todo. É uma piada, são condutas receitadas. E eu já tenho o rigor dos compassos em todo canto. Na casa, nas portas, nas roupas, nos livros, nas contas, nos horários, no calor, no frio, nos gostos. Até na água. A água que sai dessa bosta de chuveiro tem limite também, basta que eles fechem o registro quando cansarem da gente. Vão tomar no cu. Eles e o compasso.
O homem de amarelo, de cabelos volumosos e grisalhos, riu e apertou as mãos no bolso molhado:
- É, senhoras e senhores. Vamos morrer cedo. Se não for pela vontade, será com um infarte. - Riu-se da rima casual e também sentou no chão.
Ela olhou feio, com os olhos vermelhos por estar há muito tempo embaixo d'água. Deitou no chão com os braços abertos, deixando a água se concentrar no peito:
- Vamos mesmo.