A MULHER DE OUTRO MUNDO
 
 
 
Outubro apenas começara quando Ulisses a viu pela primeira vez. Christiana estava atrás da grande mesa de sua sala, no último andar da agência de publicidade. A mulher parecia tão distraída que ele precisou tossir para chamar sua atenção. Sem desviar os olhos da tela do computador, Christiana apontou para uma cadeira. Dez minutos de absoluto silêncio mais tarde, ela perguntou displicente:

— Quem é você mesmo?

Ele teve vontade de soltar um palavrão. Ao invés disto, respirou fundo, e limitou-se a responder:

— Ulisses. Seu novo assistente enquanto Melissa estiver na França.

— Ah! Claro. Aquela garota se deu bem. Paris, que maravilha!  Então, Ulisses, é o seguinte: pra se tornar meu assistente precisa passar por um teste. Venha comigo.

Saíram da empresa no carro dela. Quando a mulher acelerou numa curva, Ulisses pediu a Deus que não os matasse. Algum tempo de pura agonia depois, ela estacionou o automóvel na garagem de uma casa, numa rua sem saída. Em menos de meia hora Ulisses entendera que trabalhar para Christiana poderia ser tudo, menos monótono.

Entraram na ampla sala envidraçada. Ao fundo, uma escada em caracol levava a um longo corredor. Christiana abriu a última porta à esquerda. Ulisses observou os únicos objetos do quarto: uma peça de porcelana com flores vermelhas no chão, ao lado de um espelho antigo. O tom de Christiana combinava orgulho e entusiasmo ao anunciar:

— É aqui que eu flutuo.

Impassível, Ulisses olhava para aquela mulher sem saber se deveria rir ou temer. Ao notar que ele não esboçava qualquer reação, Christiana disse:

— Não fique aí parado como um bobo. Entre e feche a porta. Tudo é muito simples, Ulisses. Eu venho de outro mundo. E no meu mundo, as pessoas flutuam. Veja.

Diante do espelho, Christiana fechou os olhos. Concentrada, começou a dançar. Lembrava uma bailarina clássica ao girar o corpo em busca de maior impulso. Deu um salto, e permaneceu no ar por dois segundos. No exato instante em que seus pés voltaram a tocar o piso de madeira, ela soltou um grito estridente.

— Não consegui flutuar quase nada!

Ulisses tentou parecer natural:

— Talvez não seja um bom dia pra isso.

— A culpa é toda sua.

Irritada, Christiana saiu do quarto. Ulisses agarrou-se a um fio de paciência calando o palavrão na ponta da língua. Afinal, não adiantaria coisa alguma. Deste ou de qualquer outro mundo, ele nunca entenderia uma mulher.


 
(*) IMAGEM: Google
 
Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 29/09/2014
Código do texto: T4980904
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