O Anjo que Caiu da Montanha
Alexandre estava em casa ouvindo músicas tristes e pensando em como poderia deixar sua vida ainda pior. Ele não estava satisfeito com a sua vida e gostaria de contra atacá-la, deixando-a para baixo, assim como ela o deixava para baixo frequentemente.
Um barulho animador lhe deu um susto. Parecia uma grande colisão de veículos na esquina de seu prédio! Pela intensidade do barulho devia ser um acidente envolvendo caminhões ou ônibus. Veículos grandes. Debruçou-se na janela e viu um tipo esquisito de acidente. Uma pedra enorme, que ocupava toda a avenida estava parada no cruzamento. Ao redor da grande pedra, havia muita fumaça e carros despedaçados.
Pela primeira vez em muitos meses algo de intenso e emocionante aconteceu e Alexandre ficou muito animado! Decidiu sair do apartamento pela primeira vez em muitos meses e ir comprar pão. Sabia que o clima na rua era diferente e todos estariam preocupados com o acontecimento trágico e ninguém prestaria atenção em seu jeito de andar inseguro e nem reparariam em seus pijamas rasgados e adornados de manchas de café.
Sorridente pediu meia dúzia de pão francês para a moça do outro lado do balcão. A mulher de meia idade, perplexa com o acidente na esquina, não conseguia se concentra no pedido de Alexandre. Mas ele estava feliz e não se incomodou em repetir 8 vezes e um terço seu pedido.
Quando finalmente conseguiu concluir sua compra, Alexandre saiu da padaria, observou o caos e dobrou a esquina, de volta para seu apartamento. Enquanto subia as escadas par o terceiro andar do prédio, lembrou-se que não estava muito afim de comer pão. E, subitamente, percebeu que gostaria muito de beber suco de groselha enquanto observava seus semelhantes lidando com aquela situação empolgante. por um momento pensou em todas as pessoas que poderiam ter morrido no acidente, mas lembrou-se também que milhões de pessoas morriam no mundo a todo instante. Se ele fosse mesmo se lamentar pela morte de todos que morriam o tempo todo, sua vida seria um inferno ainda mais deprimente. Então, ignorou as mortes e se concentrou em sua felicidade.
Uma espécie de porte se abriu na pedra e um homem saiu de lá de dentro. Ele tinha uma barba curta e falhada e cabelos despenteados e mal cortados. Todos pararam para observar aquela situação inusitada. Quando notou que estava sendo observado, o homem, bem humorado ergueu os olhos e soltou um grito de conquista, como um rockstar amado pelos fãs. Só que aquelas pessoas ali estavam como medo e acharam a atitude do homem ofensiva. O homem deu um tapa no ar, suspirando impacientemente e não dando a mínima para o que as pessoas ali pensavam.
- Quem é você? - perguntou alguém na multidão.
- Eu! - afirmou o homem, satisfeito consigo mesmo.
Todos murmuravam perplexos. Algumas pessoas levavam as mãos à cabeça e bagunçavam os cabelos. Outras pessoas conversavam intensamente. As sirenes das viaturas policias, dos caminhões dos bombeiros e das ambulâncias se misturavam e aumentavam de volume conforme se aproximavam com dificuldade pela avenida congestionada.
Alexandre se aproximou do homem, quando este passou pela multidão e chegou na calçada.
- Ei. Que tal uma cerveja? - convidou-o Alexandre.
- Que tal várias? - perguntou o homem.
- Melhor ainda! - comemorou Alexandre.
Os dois rapazes tentaram beber umas cervejas num bar próximo do local do acidente, mas não conseguiram. As pessoas se aglomeraram na porta do bar e tentavam entrar, mas o dono do bar não queria confusão ali dentro. Sendo assim, Alexandre comprou dois engradados de cervejas importadas e saiu com o homem do bar. Na saída, o homem parou diante da multidão, que emudeceu diante de seu olhar tranquilo, firme e um pouco sombrio. O homem misterioso ergueu os braços e disse:
- …
Após dizer absolutamente nada, as pessoas caladas, confusas e quase extremamente assustadas abriram caminho para que o homem e seu companheiro passassem. Alexandre ria para si mesmo e todos observavam a dupla de loucos passando.
No apartamento de Alexandre, ele tentou puxar assunto com o homem misterioso. Mas o homem, sentindo-se importunado, calou-o.
- O que vocês tem contra o silêncio? Porque você evitam calar e observar? Porque perguntam tudo o tempo inteiro? Vocês perguntam, perguntam e perguntam, mas nada fazem com as respostas. Tanto que depois de dois mil anos vocês ainda não possuem resposta nenhuma.
Alexandre adorou as respostas. Estava se divertindo com tudo aquilo. O acidente, a confusão genuína das pessoas e aquele cara que o fazia sentir-se livre na vida.
- Quer saber? Você tem razão! Não me importa quem você é, ou de onde você possa ser. O que importa é que estamos vivendo esse momento. E você veio aqui dentro de uma pedra, cara! Isso é incrível! Que se danem todas as perguntas ou todas as respostas. Eu quero viver as frases incompletas e as promessas não cumpridas…
- Sobre isso… - interrompeu-o o homem. - Eu vim cumprir uma certa promessa do meu Pai.
- Achei que você tivesse vindo só curtir.
- Não. Você tiveram muito tempo pra curtir. Antes de mim e depois de mim. Meu Pai perdeu a paciência e me pediu pra voltar. Mas dessa vez eu não quis dar o rosto à tapa, como da primeira vez. Não funciona com a raça humana. - e deu uma gargalhada gostosa, pontuando sadicamente o que acabara de dizer.
- E que promessa seria essa? - Alexandre perguntou, tomando mais uma longo gole da sua cerveja.
- Apocalipse. Hoje é o dia do julgamento!
- Espera. Então você é…
Alexandre se sentiu extramente nervoso agora. Seu rosto ficou vermelho e suas pernas fraquejavam. Sentiu-se oprimido pela percepção da honra que estava tendo ao receber aquele homem em sua casa e não sabia como se referir à ele sem ofender-lhe.
- Diga o meu nome! - sorriu o homem misterioso.
- Jesus Cristo!
- Hmm… Isso aí.
O homem levantou-se, agradeceu a cerveja e pegou um tablet compacto em seu bolso.
- O que está fazendo? - Alexandre perguntou, verdadeiramente curioso.
- Qual a senha do Wi-Fi, por gentileza?
Alexandre, ainda um pouco desconfiado disse a senha para Jesus. Ele agradeceu e digitou a senha.
- Meu Pai me pediu que, novamente, eu seguisse as regras desse mundo. Como da última vez eu me submeti à realidade da época e fui comedido até mesmo nos milagres, dessa vez não haveria de ser diferente.
Jesus ergueu os olhos do tablet para Alexandre e sorriu ao dizer:
- É claro que a gente pode fazer o que quiser e do jeito que quiser, não é?
- É claro que podem. - confirmou Alexandre.
- Enfim… estou baixando o aplicativo do apocalipse. Nossa! A sua internet é bem rápida. 20 megas? - impressionou-se Jesus Cristo.
- Sim, senhor. 20 megas.
- Nossa, legal. Ah! Terminou, está instalando. Em breve vocês serão julgados e alguns vão comigo para o paraíso, que fica em Plutão. E outros de vocês irão queimar no fogo do inferno por toda a eternidade rangendo os dentes, sofrendo dilacerações graves e me xingando com muito rancor. - dizia Jesus, tranquilamente.
- Meu Deus. - disse Alexandre, assustado, engasgando com a cerveja.
Momentos depois, todas as pessoas do mundo que possuíam conta nas redes sociais, receberam uma mensagem inbox informando-as de sua sentença final e inevitável.
O smartphone de Alexandre fez um sonzinho e ele olhou seu Facebook. Havia uma mensagem o inbox dizendo que ele não multiplicou as felicidades que Deus colocara em seu caminho e que não cuidou do maior bem que o Senhor lhe concedeu, que foi a vida. Também não ficou dizendo à Deus o quanto o amava e nem foi visitar a estátua de Jesus dilacerado preso à sua maldição em sofrimento celestial em uma das milhares de casas que o Senhor tinha por todo o mundo. Uma delas ficava na esquina do apartamento de Alexandre. Sendo assim, o destino de Alexandre seria passar a eternidade queimando as brasas do submundo, na companhia de demônios e outras criaturas assustadoras e sorridentes, com sérios problemas de garganta.
- Que pena, amigo. - disse Jesus.
Depois que o planeta estava livre da raça humana, Jesus olhou para os céus nublados e disse:
- Sua obra está completa senhor. O planeta que criastes com tanto capricho está livre do câncer que o destruía. Podemos trazer o paraíso de volta para cá.
O tablet de Jesus Cristo apitou e ele consultou o aparelho. A mensagem que viu o fez sorrir. E então, em fade out Cristo subiu aos céus e desapareceu antes de tocar a primeira nuvem carregada.