427-TRETAS E MUTRETAS- Bom Humor

Conheci Pablito Guzmán em 1958, quando, por força da profissão, residi no estremo sul do país, numa cidade que na verdade eram duas, separadas pela linha de fronteira. Onde as nacionalidades se misturam e as identidades facilmente se transformam. Pablito se dizia uruguaio, mas para mim, era Paulo Gusmão, que se disfarçava por motivos que nem me atrevo a imaginar.

Não tinha oficio, profissão ou atividade definidas. Vivia indo e vindo de uma cidade a outra, fazendo negócios num e noutro lado, dando recados, levando encomendas, coisas do tipo. Fazia o contrabando de mercadorias comuns, em quantidades mínimas.

— Não, não me chame de formiguinha. Me respeite. Sou agente de negócios. — Respondeu zangado quando alguém, na nossa roda de bar, lhe impingiu a classificação, aliás, corrente na cidade.

Para falar a verdade, vivia de expedientes. E procurava sempre novas maneiras de ganhar mais alguns trocados de suas atividades.

Tinha uma bicicleta, com a qual girava por todo o canto. Certa ocasião, um dos oficiais do posto da alfândega cismou que Pablito estava fazendo alguma espécie de contrabando, pois ele passava duas, três vezes ao dia pelo posto, aparentemente sem levar nem trazer nada.

— Vou só dar uns recados. — era sua explicação nas vezes em que era interpelado e até revistado.

Por mais eu fosse observado, questionado e revistado, jamais encontraram algo eu o incriminasse. Laureano Lopes, funcionário da alfândega e companheiro da nossa roda de bar, era quem mais intrigado ficava com Pablito. Certa noite de sábado, havendo corrido mais bebida do que o usual, Pablito, como que desafiando Laureano, em pitoresco portunhol, explicou o que fazia:

— Usted no tiene buena vista. No foi capaz de descobrir meu disfarce.

— Mas então, explica agora.

— Simples. Io passaba com a bicicleta com pneus velhos, e voltava com pneus nuevos. Acá vendia los nuevos, colocava outros pneus velhos, e hacia tudo nuevamente. Me rendeu muchas platas. Gracias a ti, companero.

— Não me chame de companheiro. — Rugiu Laureano, do outro lado da mesa.

Paquito se dizia colaborador da emissora de rádio da cidade uruguaia.

— Faço alguns anúncios, comerciais, na Rádio Rivera.

— Tas bricando, tchê!

— Usteds já ouviram algumas. Esta por exemplos.

E se punha a relatar o texto que alegava ser criação sua:

Mientras el pajarito hace piu-piu, Melhoral manda el dolor a la puta que pariu

— Esta outra é antiga, acho que vocês já ouviram na Radio Rivera:

Uma pildora, PUM!

Dos píldoras, PUM! PUM!

Três píldoras, PUM! PUM! PUM! – Que barbaridade! Me sució la cueca.

Píldoras de Vida Dr. Ross: pequetitas pero cumplidoras!

Paquito Guzmán tantas fez que acabou nas garras da polícia e foi levado ao tribunal. O Juiz não havia entendi bem porque o larápio estava ali, na sua presença, e perguntou-lhe:

— Senhor Pablo Gusmán, quero que me explique: o que o senhor faz para viver?

Paquito, respeitador de autoridades como lhe convinha, levanta-se e fala, em alto e bom som:

— Tretas, doutor.

O Juiz bate com o martelo sobre a mesa, com violência:

— Olha o respeito, seu Pablo! Quero que me diga, qual é sua profissão. O que faz para ganhar dinheiro?

De pé, Paquito responde;

— Além de tretas, mutretas, doutor.

Irado o juiz bate uma vez com o martelo e diz:

— Levem esse palhaço de volta para a prisão. Julgamento adiado por noventa dias.

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Antônio Gobbo – BH, 19/março/2007

Conto # 427 da série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/09/2014
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