Bicho
O sono não vinha. O hálito quente não a deixava dormir.
— Estou com sono. Me deixa dormir.
As bailarinas de porcelana olhavam tudo, caladas, congeladas no tempo. Tremiam de frio.
— Pelo menos apaga essa luz que sai da sua boca.
Seus sapatinhos estavam ao lado da cama, alinhados com a cômoda.
— Minha mãe diz que você não existe. Que é um fruto que a minha imaginação gosta de comer. Eu não sei bem que gosto você tem, porque eu mesma nunca te comi. Mas a minha imaginação deve se parecer comigo, se não... Aí não seria a minha imaginação, não é? Então acho que você tem gosto de morango.
Pelos eriçados. Contração volumosa de um diafragma que não existia. Lâmpada apagada. Estrelas fosforescentes no teto ofuscadas pelo brilho do fogo.
— Você nunca me disse quantos anos você tem.
A respiração de ambos estava em perfeita sincronia. Apenas um tinha coração. No outro, válvulas cardíacas imaginárias.
— Silêncio. Tem alguém vindo.
A porta se abriu. Ela dormia. A mãe foi embora. Nada de remédios naquela noite. A menina parecia tranquila. A porta se fechou.
— Você tem que provar uma daquelas pílulas! Têm gosto de chiclete rosa!
Mas a criatura continuava inexpressiva. À espreita. Vigiava o sono da guardiã de seus sonhos perdidos.
A garotinha ainda não sabia, mas, pela manhã, estaria tão rígida e fria quanto suas bailarinas de porcelana.