DINHEIRO DE SOBRA - PARTE 2
Às quatorze horas, ele, a esposa e o casal de filhos encontravam-se entre as pessoas que se alinhavam na fila em frente ao guichê de número doze do aeroporto internacional de Yellow Rock. Dirigiam-se ao pequeno povoado de Mount Ceasar. Jack possui nesta região enorme fazenda, adquirida mais para lazer do que para investimento, já que carregava ali toda a energia gasta em sua dinâmica vida de empresário. Duas vezes por ano ou mais, se dependesse das insistências de Nancy, reunia a família, fugindo de suas responsabilidades rotineiras. Sentia-se, assim, rejuvenescido. Investira alguns milhões de dólares no empreendimento. Possuía no local cento e dez empregados. O lugarejo oferecia tudo de que necessita a alma humana quando se vê cansada das tribulações do mundo. Jack era ali outro homem. O que perdia em lucros, se é que ainda se importava com isto, conquistava em anos acrescidos a sua vida. Era cercado pelo belo em suas formas, naturais e matizadas. As árvores eram abundantes, assim como o rio que passava no meio da propriedade.
Chegaram ao final da tarde. O Porsch prateado cruzou o enorme portão de madeira quando os últimos raios do sol, distanciando-se, ao enfraquecer-se na despedida de mais um dia, emprestavam ainda suas derradeiras marcas de luz e sombra sobre a vegetação e o rio. Jack suspirou fundo enquanto desacelerava, ao aguardar a abertura total para sua passagem. Virou rapidamente o rosto e constatou, na fisionomia de Nancy e das crianças, que não usufruía sozinho a mudança e o bem estar. Seguindo a alameda principal, não escondeu o assombro de ver quão crescidos e carregados encontravam-se os coqueiros que margeavam a estrada. Plantara-os há poucos anos, organizando, ele mesmo, quase todo o trabalho. Uma ponta de nostalgia assaltou-lhe o peito ao reconhecer o descaso que imperdoavelmente submetera o seu pedaço de chão favorito, tantas eram as obrigações e os compromissos do seu inefável estilo de vida. Mas, logo em seguida, alegrou-se pela decisão tomada e pela convicção da mudança que faria ocorrer. Ao longo do caminho, ia testemunhando, enquanto tudo apreciava, a presença imponente do vigor que provinha da vegetação, dos inúmeros sons de pássaros e do arfar das águas. Acelerou, ávido da chegada e da recepção dos que há muito não via.
A enorme casa era em estilo rústico, em três pavimentos. A varanda, avantajada, guarnecia muito bem os seus espaços com sábia decoração. Tapetes luxuosos combinavam perfeitamente com a posição dos arranjos e com a disposição dos vasos. Dois deles, à entrada principal, exibiam abrunheiros que lançavam, quase ao teto, sua vegetação rosácea. O pórtico, maior ainda, sustentado por pilastras de pedra, arrogava-se o direito de comandar a visão, roubando-a a quem tentasse apreciar de longe a varanda. Os telhados sobrepostos, a sacada magnífica, exibindo o belo cortinado de um dos quartos, mais o sótão, sombreado por algumas palmeiras que se insinuavam por detrás da morada, tudo isto visto conjuntamente e a uma distância considerável, tocava o espírito e descansava o coração. Jack acabara de contornar a curva que colocou a sua frente todo o esplendor da mansão. Contemplar o espetáculo fez despertar em si toda saudade que vinha tentando sufocar. Gastou o resto do dia em visitas a todas as dependências que permeavam as milhas daquele paraíso particular. Foi para cama convicto de que possuía as condições ideais para colocar em prática as suas idéias.
Uma delas seria reunir, no salão principal, e de uma só vez, todos os funcionários, a fim de colocá-los cientes de suas novas funções a partir daquele dia. Gastou quase toda a manhã em seu discurso e obteve apoio esmagador e veemente. À tarde, logo após o almoço, já estava de portas fechadas com os sete homens que seriam seus assessores diretos. Designou um para cada cidade escolhida. Oakland, a primeira delas, recebeu, dois dias depois, e na pessoa do prefeito Terry Altman, o próprio Jack, acompanhado de Nancy e Dennis, seu mais fiel assistente. Foi Jack quem começou falando.
– O que tenho em mente vai surpreendê-lo por certo, mas asseguro que com o tempo, irá compreender e apoiar. Preciso desta cidade, Terry.
– Não sei o que um homem tão rico como o senhor pode esperar dum lugar humilde como este.
– É por isso mesmo que estou interessado em transformá-la no local mais impressionante de que já teve conhecimento. Quantos habitantes possui?
– Nosso último censo acusou pouco mais de 190 mil pessoas. Que ainda estão longe de se sentirem satisfeitas. Temos muitos problemas, a começar pela escassez de mão de obra. As indústrias, embora poucas, carecem de gente qualificada porque faltam boas escolas…
Então, o problema é a falta de investimento, não é isso?
– Parece que sim. E gente com vontade de trabalhar também é o que precisamos.
Jack disfarçou um sorriso de satisfação e falou com firmeza.
– Terry, ouça o que vou dizer, e que fique entre nós quatro aqui nesta sala e mais ninguém. Pelo menos por enquanto. Eu vou comprar a sua cidade. – Sem se importar com a expressão de espanto já estampada nas feições do prefeito, prosseguiu. – É claro que não vou entregar-lhe nas mãos os milhões de dólares em troca da sua mercadoria. Tudo vai acontecer bem devagar e no tempo certo. E quando perceberem, o sucesso já veio para Oakland. E você será peça importantíssima nesta mudança. Pode crer no que estou falando.
E para provar que não estava brincando, negociou com o governo a compra da Real Alumínio, a mais importante indústria da região, renovando toda sua estrutura e mantendo no quadro de funcionários apenas aqueles que se adaptassem às mudanças pré-estabelecidas. E deu certo. Superando as expectativas de Jack. Tanto que, três anos mais tarde, a tal indústria monopolizava todos os negócios do estado de Yellow Rock, tendo ampliado o seu campo de atuação para a produção de ferro e, ao fim de cinco anos, transformou-se em usina de aço. Cada funcionário – que Jack preferia chamar de “meu cooperador” – podia gabar-se de um estilo de vida almejado por qualquer cidadão. Eram respeitados na sociedade e mereciam, assim como seus parentes e indicados, todo crédito e confiança. Isto fez do nome de Jack Richards sinônimo de admiração e, – por que não dizer? – de inveja.