OS DESAPARECIDOS

O velho Antônio, quando bebia, vidrava os olhos verdes de esmeralda em um ponto fixo, fitando através da janela, espelhando o céu. Ficava assim por tempos e tempos, remoendo velhas memórias, fotos amareladas de pessoas esquecidas, regurgitadas ali mesmo na toalha quadriculada da mesa do bar.

Meu pai... - dizia ele sem tirar o olhar fixo da paisagem imaginária - uma vez saiu de casa dizendo que iria até a padaria para comprar leite e pão. Minha mãe me disse que como ele fazia isso toda manhã de domingo, não estranhou nada. Só percebeu que ele tinha sumido, perto da hora do almoço.

O velho Antônio servia-se de mais uma dose cachaça, espremia meio limão na borda do copo e acendia um cigarro. A fumaça diáfana desenhava coisas no ar. Ele me narrava quase sempre com lágrimas nos olhos, aquela mesma história.

...minha mãe, coitada, nunca entendeu o porquê de o meu pai ter ido embora daquele jeito. Naquele dia fatídico eu ainda era pequeno, tinha seis anos, mas eu vi o desespero dela correndo de um lado para o outro, o almoço esfriando em cima da mesa à espera de meu pai que nunca veio. Foi marcante como ela enlouqueceu nos anos seguintes. Culpava-se constantemente. Nos dias que se seguiram ao sumiço de meu pai, a cidade toda o procurou em vão. Munidos com fotos dele, saíram numa busca frenética nos hospitais, delegacias, hoteis, rodoviárias e nunca o tinham visto ou ouvido falar dele. Procuraram em todas as cidades circunvizinhas, publicaram a foto dele em quase todos os jornais e programas de televisão. Por muito anos depois, ainda se viam cartazes colados nos postes de toda a região. A foto dele varou o mundo, mas nunca o encontraram.

É claro que muita gente veio até minha mãe com histórias rocambolescas, suposições estapafúrdias, extravagantes devaneios de mentes doentias e teorias conspiracionistas de toda a sorte. Surgiam boatos de que o tinham visto por toda parte, ora encontrava-se só, ora acompanhado de uma bela mulher. Minha pobre mãe sofria só em pensar que ele poderia ter ido embora por conta de uma outra mulher. Eu, ainda pequeno, sofria com o sofrimento dela.

Um dia veio-lhe um homem que dizia falar com o mundo do além, mandado não se sabe por quem. Trouxe-lhe o conforto de que dele tinha recebido uma mensagem de que estava bem. Minha mãe acreditou nele e sossegou. Era bem melhor acreditar que ele tinha morrido. Mesmo assim, ainda lembro, ela nunca mais fechou a porta da frente, que era para o caso de ele um dia voltar e encontrar a porta sempre aberta.

Trinta anos depois, um homem entrou por aquela porta. Disse que era ele, mas não se parecia com ele. Não de como nos lembrávamos. Minha mãe o recebeu sem grande entusiasmo. Aquele homem não deu nenhuma explicação. Passava o tempo todo em silêncio, como se tentasse lembrar de algo. Minha mãe uma vez me chamou e cochichou no meu ouvido que aquele homem era ele sim, mas não era ele. Fiquei ainda mais confuso, mesmo trinta anos depois. Tentei travar contato com aquele homem que dizia ser meu pai desaparecido. Ele me olhava e parecia não me ver. Apenas sorria.

Num certo dia de domingo, esse mesmo homem disse que iria sair para comprar um jornal. Como se esperava, ele não mais voltou, como da última vez. Minha mãe fez pouco caso. Não o quis mais procurar. Também não preparou-lhe o almoço, pois sabia que ele tinha ido embora, dessa vez para sempre.

Pela primeira vez vi minha mãe com o semblante tranquilo. Depois que meu pai foi embora outra vez, ela passou a tarde toda na varanda, pensativa, absorta, envolta em um silêncio sepulcral. Minha mãe agora estava em paz e eu sabia que ela também não voltaria mais.