344-O LEITO NUMERO 13 - Mortes misteriosas em hospital

— Não é possível! Mais um no mesmo leito? — O diretor do grande hospital manifestou claramente a sua preocupação, até então convenientemente guardada para si mesmo.

— Não há porque estranhar. Todas as semanas temos baixas na UTI. — Argumentou o supervisor, homem prático e objetivo. — Afinal, são vinte leitos ocupados, na maioria, por casos terminais.

— Mas veja os registros. — Jogando a prancheta com dados e números, o diretor se levanta e começa a andar nervosamente pela grande sala. — Nos meses, perdemos todos os pacientes do leito treze. E todos às sextas-feiras. E todos à mesma hora. É muita coincidência!

— Talvez, quem sabe, mudando o número do leito...— Brincou o supervisor geral.

O olhar iracundo do diretor interrompeu sua sugestão.

— Temos de verificar. Mande ver o que está acontecendo. E tudo no maior sigilo.

O supervisor sabia que a colocação na Unidade de Tratamento Intensivo ocorria, preponderantemente, com pacientes em estado terminal. A fim de que os momentos finais, tão traumatizantes, fossem amenizados pela ajuda de aparelhos e medicamentos especiais, que aliviavam tanto o doente(de sua dor) quanto os familiares (do seu desconforto). Por isso, a incidência de mortes entre os leitos da UTI era elevada. A cisma do diretor em estabelecer uma relação de mortes seguidas ocorridas num mesmo leito, todas as sextas, na mesma hora, parecia uma obcecação. Mas como lhe fora ordenada uma investigação, esta seria feita. O diretor era um homem de resultados, iria lhe cobrar no próximo encontro.

Tenho de começar a coisa agora mesmo. Não posso contar com o pessoal do hospital, pois a preocupação do diretor poderia se transformar numa fofoca danada, prejudicial para todos. Vou ter de contar com uma pessoa de fora. — Assim pensando, lembrou-se do velho amigo Vitório D’Avanti, ex-delegado de polícia e que eventualmente participava de investigações extra-oficiais.

— A história está neste pé. — explicou o supervisor ao amigo D’Avanti. — O diretor suspeita que algo esteja acontecendo com o leito número treze da UTI. Todos os exames bacteriológicos já foram feitos, não há vestígios de contaminação. Já chequei pessoalmente e com ajuda de técnicos todas as máquinas. Estão funcionando perfeitamente. O respirador, o excitador, tudo cem por cento.

— Você me disse que as mortes estão ocorrendo às sextas-feiras?

— Sim. E sempre na parte da manhã, entre nove e dez horas.

— Há alguma mudança na rotina semanal? Mudança de equipe, de pessoal, coisas assim?

— Absolutamente, nenhuma. A equipe é substituída às sextas à noite, quando começa a turma de plantão dos fins-de-semana. O pessoal da madrugada trabalha até as seis horas. Antes, pelas cinco e trinta, fazem um check-up de todos os leitos ocupados. Os médicos e enfermeiras do turno da manhã assumem o controle com outro check-up pelas sete horas.

— Qual é o intervalo normal entre as verificações?

— Sendo o paciente considerado normal, de hora em hora. Os equipamentos são monitorados pela enfermeira-chefe, e se há alguma alteração fisiológica, sinais de emergência soam na sua mesa de controle.

— E nada, nenhum aviso, ocorre com os pacientes do leito numero treze?

— Absolutamente nada que possa ser registrado na mesa de controle.

— Precisamos observar o que está acontecendo nesses dias e nessa hora. — O investigador ia logo no cerne da questão. — Só uma observação pessoal dará a resposta.

Na manhã da próxima sexta-feira, um novo “médico” foi admitido no plantão. Disfarçado, o investigador se impunha por sua figura alta, cabelos brancos e porte elegante. Falava o mínimo possível, a fim de não se denunciar, ainda que trajando o uniforme. Estava sempre onde os outros médicos e enfermeiras não se encontravam, observando tudo. Participou do exame geral dos doentes, realizado às sete horas. Ficou rondando especialmente o local do leito número treze, onde uma paciente, idosa senhora de mais de noventa anos, era mantida viva pelo aparelho de respiração artificial, pelo soro e outros artifícios médicos.

Às sete e quarenta e cinco aconteceu uma emergência com o paciente do leito quatro, que foi loco atendido e colocado fora de perigo. Nada de extraordinário aconteceu em seguida. D’Avanti, porém, não descuidava um só instante, atento a todos os movimentos, ouvindo com atenção os sons cadenciados produzidos pelos aparelhos. Às nove horas, chegou a equipe de limpeza.

Epa! O supervisor não me falou dessa turma.

Ficou atento na rotina das faxineiras: delicadamente, sem ruído, iam passando pelo corredor entre os leitos, limpando com líquidos especiais e flanelas brancas, as camas, equipamentos, as mesinhas. Uma vinha com um aspirador de pó portátil, elétrico mas silencioso, cujo fio estava conectado a uma tomada próxima à porta de entrada. O fio, entretanto, não alcançava o fundo da sala. A faxineira foi até a tomada, desligou o fio e o trouxe até ao lado do leito treze. D’Avanti observava a faxineira com atenção. Onde será que ela vai ligar esse fio? Não estou vendo nenhuma tomada disponível. Aproximando-se da faxineira, observa quando ela se prepara para retirar da tomada a conexão do respirador artificial que mantém viva a idosa paciente. D’Avanti abaixa-se e detém a mão da moça, a tempo de impedir que a ela faça o gesto fatal, perguntando-lhe:

— O que você vai fazer?

Voltando-se para o “médico” ela explica com naturalidade:

— Vou usar essa tomada para ligar o aspirador de pó. Com faço todas as semanas.

— A faxineira substituía uma colega às sextas-feiras. — O ‘médico” D’Avanti concluía seu relatório ao diretor e ao supervisor do hospital. — Não conhecia as particularidades do setor da UTI e não recebera orientação para não usar a tomada na qual estava conectada o respirador artificial. Coisa tão óbvia que, realmente, dispensava qualquer orientação.

— Vamos apurar as responsabilidades. — afirma categórico, o diretor, relanceando olhar ameaçador ao supervisor. — Pelo menos, as mortes misteriosas foram esclarecidas e salvou-se a paciente do leito treze.

— Não. — Aduziu o supervisor. — A velhinha estava muito fraca. Faleceu naquela mesma tarde. .

ANTÔNIO GOBBO —

Belo Horizonte, 18 de maio de 2005.

Conto # 344 da série Milistórias —

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 31/07/2014
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