341-DESEJOS DE FANTASMA-
— Juro que vi o fantasma. Lá no canto direito do cemitério. — Joaquim Coveiro tem certeza no que afirma. — Num bebo e tenho vista firme. Também num tenho medo de aparição.
— Qual o quê, Joaquim, você já tá caducando. — Lindolfo, o administrador da necrópole de Serra Velha, não acredita no idoso empregado, nos seus quase setenta anos — E é bom não esparramar essas invenções, o povo pode ficar pensando coisas.
Joaquim é destemido e honesto. Por isso, não aceita o conselho do chefe.
— Mas seu Marciano, eu vi, com esses óios que a terra há de comer.
— Então, me diz. Exatamente onde está aparecendo este fantasma?
— O lugar certo num sei. Só vi uma vez, já tava escurecendo. Mas foi lá em cima, nas tumbas mais novas.
Sem querer dar mais trela ao coveiro, Marciano encerra a conversa:
— Tá bom. Então cê presta atenção na próxima vez que ver o fantasma. Assim, a gente acha o túmulo e manda benzer.
Uma semana depois, o coveiro chega com novidades:
— O fantasma apareceu ontem de novo. Prestei bastante atenção. É onde tá enterrado o doutor Laudelino.
— Mas que coisa! Fica quieto, homem de Deus. Vê se não espalha esse boato.
Sentindo-se ofendido, Joaquim Coveiro recolhe-se no silêncio. Mas que era o doutor Laudelino, lá isso era..
Nessa mesma ocasião, no Centro Espírita Amor e Caridade, o carismático médium Adolfo Matias começou a receber mensagens mediúnicas de uma nova entidade espiritual. No início foi difícil a comunicação, pois o espírito parecia muito atormentado. Com paciência e a ajuda dos irmãos, a comunicação foi ficando pouco a pouco mais clara. Até a noite em que se revelou a identidade do novo espírito: o doutor Laudelino Miranda.
A família do emérito causídico, embora composta de fervorosos católicos, passou a freqüentar as sessões, no afã de se comunicar com o falecido. Depois de muitas sessões, ficou clara a razão da freqüência do espírito do falecido advogado: ele quer ser enterrado em Bambual, sua terra natal.
Consternada, Dona Amanda, a viúva, procurou atender ao pedido do falecido.
— Mas num pode. — Quem objeta é o chefe do cemitério. — Não faz nem seis meses que ele foi enterrado. O traslado só pode ser feito depois de dois anos do enterro.
Ignorando as leis e posturas municipais para o trato com os defuntos, o fantasma continuou aparecendo com freqüência cada vez maior, apavorando os moradores circunscritos ao bairro do cemitério e familiarizando-se (até onde um fantasma pode se tornar figura familiar) com Joaquim Coveiro.
Da mesma forma intensificaram as manifestações do espírito do doutor Laudelino nas sessões do centro espírita. E através dos meios possíveis — mensagens psicografadas, movimentos de objetos sobre a mesa ou transes dos irmãos que freqüentavam as sessões — insistia no seu pedido: ser enterrado em Bambual.
— Mas que mania essa agora! — Juvenal era o filho mais velho e parecia ser a única pessoa de bom senso nesta história. Não acreditava nas aparições fantasmagóricas nem nas visitas às sessões espíritas. — Pra mim, está todo mundo doido.
Enfim, passado o tempo requerido para fazer o traslado, eis que os restos mortais do Dr. Laudelino foram exumados e levados para Bambual, conforme seu desejo. A cerimônia foi assistida por todos os parentes, muitos amigos e curiosos em assistir ao enterro de um fantasma. Todos tinham ouvido a respeito da insistência do falecido e assim, os amigos prestigiaram o evento e os demais mataram a curiosidade.
Para dona Amanda, a viúva inconsolada, foi a repetição do enterro; era como se o marido estivesse morrendo pela segunda vez. Ela se lembrava muito bem da primeira.
Finalmente, cumpria-se o desejo do pranteado esposo que, às vésperas do desenlace, adivinhando a aproximação da própria morte, manifestara o desejo de ser enterrado em Bambual. Mas Juvenal, turrão como o próprio pai, o filho mais velho, que assumira e cuidara de todos os trâmites funerários, desprezara a vontade do pai, fazendo-o ser enterrado em Serra Velha. De nada valeram os pedidos dos irmãos e os rogos da mãe. Lembra-se bem do desprezo com que o filho tratara a todos.
— Ora, gente, deixa de besteira. Tanto faz enterrar lá em Bambual como aqui em Serra Velha. Ele tinha essa vontade quando estava vivo, mas agora está morto.
E pensara ter colocado uma pá de cal no assunto, quando afirmou judiciosamente:
— Aliás, defunto não fala nem tem vontades.
ANTÔNIO GOBBO =
BELO HONTE, 20/ABRIL/2005
CONTO # 341 DA SÉRIE MILISTÓRIAS