Ella

Ella recostou-se na poltrona do laboratório onde estagiava e observou dispersamente pela grande janela do local. Muitas pessoas estavam presentes na faculdade aquele dia, todas elas felizes, rindo e comemorando os seus gloriosos diplomas conquistados de forma penosa em quatro longos anos de curso.

Ella olhou mais uma vez, onde uma menina sentada fitava a sua conquista. O sorriso no seu rosto é tão profundo que representa perfeitamente o significado da felicidade. Neste exato momento, uma tristeza não mensurável preencheu as pupilas de Ella, que por algum motivo não conseguia enxergar a sua vida daqui a dois ou três anos.

O seu pai voltaria para casa daqui há algumas horas, como de costume ele repararia em sua aparência, em seus trajes, em seu quarto e em como Ella estaria lidando com seus problemas. Infelizmente, Ella não sabia o que era lidar com os problemas mas sim se afundar neles. Já estava tão cheia de dívidas consigo mesma, que resolvera apenas emergir naquele mar sem água, apenas um vazio que ia afogando a alma de pouco a pouco.

De repente, toda a faculdade silencia-se. E Ella está sozinha consigo mesma e uma voz misteriosa, que ecoava no seu crânio. Era uma voz macia, como de uma mulher bonita, mas violenta. A voz proferia em tom manso as palavras que aos poucos empurrava a alma de Ella para o mar sem fim.

‘Oh, Ella querida! Acorde já, veja como está ficando pútrida a sua aparência. Seus cabelos apesar de lindos estão sujos e oleosos. A sua pele que antes era limpa e macia como um veludo, agora está com marcas de queimadura de fumo. Você costumava ser vista e não tocada, agora seu corpo é só mais um corpo e a sua alma já não brilha mais entre as outras.

Ella, você costumava ser especial, por algum motivo você acreditou que era especial. Os seus pais fizeram acreditar que você era um ser humano incomum, dotado de uma inteligência que até mesmo os gênios literários invejariam. A sua querida avó te vestiu como um bibelô e te disse repetidas vezes como tu era linda. Todos te rodeavam e diziam em um único som o quanto era bela. Todos os seus desejos foram conquistados apenas com o pouco dom de suas palavras.

Me diga, o que é acordar de repente e olhar nesse espelho trincado a imagem de alguém que você nunca imaginou ser? Há alguns minutos atrás, você ainda estava com o vestido rendado que a sua avó fizera com tanto amor, era um pedaço de gente. Agora, apenas um pedaço de corpo estranho, feio e esguio.

Ella, você não é bela e nem especial. Você é apenas mais uma que ainda adormece no sonho de ser diferente e querer mudar o mundo. Ella, salve a sua pouca dignidade e coloque uma corda no pescoço, depois se jogue de uma altura suficiente para que em poucos segundos você não consiga mais respirar. Faça, Ella! Repare o quão difícil tem sido para esta família feliz suportar uma criatura tão feia, pouco inteligente e sem nenhuma perspectiva que é. Poupe o seu querido e bem sucedido pai de mais uma vez ficar se frustrado por ti.

Tantas coisas você foi, mas vá sabendo que jamais foi especial, jamais bela, jamais servirá para o mundo. Vá, Ella!’