O ANEL
Havia um homem naquela rua que tinha por muitos anos um armarinho, muito sortido de coisas várias. Podia-se ali, sem nenhum exagero, encontrar-se de tudo o que se procurasse e mesmo que não se encontrasse o que se queria, aquele homem se prontificava e se empenhava de tal zelo, a ponto de consegui-lo em poucos dias, aquilo que se procurasse.
Dizia-se também que aquele homem naquela rua, gozava da má fama de "incomparável infâmia, inexprimível miséria humana e crimes imperdoáveis". Não havia para ele, quaisquer que fossem os empecilhos para se conseguir itens para seu armarinho abarrotado de artigos de origens duvidosas, principalmente quando recebia a incumbência de um artigo raro, incumbência essa que se tornava um desafio. Movia pedras e montanhas para que se concretizasse o êxito da empreitada, o mais rápido que fosse, numa guerra pessoal e infindável consigo mesmo, para se sobrepor aos prazos estipulados por ele e superar-se a si próprio, numa conduta doentia e frenética de superação.
Em uma noite pesada e chuvosa chegou até ele um homem muito aflito. Buscava um objeto de altíssimo valor sentimental. Sentou-se com ele no soturno escritório para que ali fosse iniciada a negociação pelo tal objeto.
- Um anel. Busco simplesmente um anel e ponho no senhor toda a minha esperança de encontrá-lo. Não é um anel comum. Tenho por ele grande apreço sentimental. O valor dele é para mim inestimável. A verdade é que sei onde ele se encontra, mas falta-me arrojo e determinação para buscá-lo. - balbuciava o homem em aflição.
- E onde ele está? Esse anel?
O homem aflito então abaixou a voz. O ambiente pesado sufocava-lhe as palavras. Era noite e a chuva caía aos cântaros, embalada por trovões gigantescos e assustadores relâmpagos.
Vez em quando, quando relampejava, as sombras se amontoavam num canto como refugiados e refletia-se a figura horrenda do Demônio na vidraça da janela, pousando a mão sobre a cabeça daquele homem.