Vida Noturna

Eram pouco mais de 18:00h quando Gustavo acordou. Seu apartamento estava às escuras quando o publicitário de quarenta anos levantou e caminhou até a janela para vislumbrar a grande avenida que se estendia horizonte adiante.

Apesar de sua formação acadêmica, Gustavo escrevia crônicas para um jornal influente de São Paulo, porém, naquela noite, sem tarefas para cumprir (Pois havia adiantado praticamente uma semana no sábado tedioso anterior) voltou-se ao banheiro e preparou a banheira com água quente. Tal atitude servia como se fosse uma preliminar para a noite que iria seguir.

A noite, pensava ele, nada melhor que a noite.

Sentido a crescente inspiração boemia instalar-se em seu peito, Guto, como era chamado pelas pessoas que o cercavam durante todas aquelas noites que construíram uma parte essencial de sua vida, despiu-se, encheu um copo com uísque e sentou-se na banheira, sentindo a prazerosa sensação da água quente em seu corpo.

Passada meia hora de puro transe, Gustavo foi a seu quarto e vestiu um traje adequado para a vida noturna e, como de costume, mais uma vez o publicitário, agora com um charuto entre os dedos, foi até a janela olhar o movimento da avenida.

Foi então que ele viu, lá embaixo, na calçada, uma mulher olhando para sua janela. De imediato, Guto não conseguiu reconhecê-la, mas foi aos poucos que aquele rosto começou a se tornar familiar.

Lívia.

O que Lívia fazia ali? Perguntava-se.

Naquele momento seu telefone tocou.

- Alô.

- Gustavo? Lembra-se de mim?

O publicitário, não conseguindo acreditar no que estava ocorrendo, disse:

- O que você quer Lívia?

Alguns segundos de silêncio.

- É que... faz tanto tempo que... – dizia ela.

- Sim, faz muito tempo – Gustavo a interrompeu. – Estarei ocupado hoje Lívia.

Guto teve a impressão de ouvir um leve soluço.

- Gustavo, por favor – suplicou ela.

O homem pensou por alguns segundos e disse:

- Apartamento 216. Seja breve, ok?

Lívia parecia ser poucos anos mais nova que Gustavo. Vestia uma jaqueta jeans amarrotada, contudo bem encaixada em seu corpo magro. Seus cabelos negros e lisos eram longos e as mechas dele contrastavam com seus olhos verdes azulados. A mulher, antes de entrar no apartamento abraçou Gustavo, e este não conseguiu ter qualquer reação. Ela entrou e sentou-se em um dos sofás. Gustavo a seguiu, porém continuou de pé.

- Como você vai? – Perguntou Lívia.

- Estou bem.

Depois de mais momentos de silencio, Gustavo continuou:

- Você veio até aqui para perguntar-me se estou bem?

Lívia não respondeu.

- Melhor eu não poderia estar – disse Guto.

- Eu entendo – disse a mulher. Ela fez uma pausa. – Queria estar com você. Ter filhos e viver como uma família.

Gustavo se assustou quando de repente a mulher caiu em prantos.

- Deu tudo errado! – Mais lágrimas. – Vamos recomeçar – disse ela.

- Recomeçar?!

Lívia ficou de pé, abraçou Gustavo e o beijou.

- Sim. Vamos ter a vida que sempre quisemos. Essa é a nossa chance.

Gustavo a encarou.

- Eu já tenho a vida que quero.

Lívia olhava-o, perplexa.

- Agora vá embora – disse ele, por fim.

A mulher afastou-se de Guto e olhou para o chão antes de dar meia volta e sair do apartamento.

Gustavo ficou no mesmo lugar por vários minutos e sorriu. Apesar de seu coração doer e ele amar a mulher que acabara de sair de seu lar, ele estava bem. Aquela era a vida que ele queria; uma vida noturna e com poucos compromissos que o chateavam. Mais tarde ele sairia e mergulharia de cabeça em mais uma noite com uísque, cigarros e mulheres e no final, quando mais uma daquelas temporadas de poucas horas estiver no fim, ele saciaria sua vontade carnal com alguém – alguma moça desconhecida talvez.

Pois aquela era a vida que ele queria. A vida que ele começou a querer e a amar mais até que o próprio amor.

Gustavo sorria. Ele sabia que estava vazio, porém, não sentia mais as dores da decepção.