300-O AZAR DE BILLY LUCKY

Com William “Billy Lucky” Hartley não havia meio termo: ou estava em maré de sorte ou se metia em profundos buracos de azar. Assim tinha sido durante toda a vida. Se foi azarado na infância e na juventude, passados na pobreza, tivera muita sorte em conviver com os maiores larápios de Londres, com os quais aprendera tudo o que sabia da vida. Teve o azar de ser preso diversas vezes, mas a sorte o livrara (através de amigos leais e recursos legais) das grades.

Seu último “trabalho” tinha tudo para ser um golpe de sorte. Um assalto bem planejado à mansão de um dos mais importantes milionários da Inglaterra, transformou-se num pesadelo, num azar sem tamanho.

O assalto estava em pleno andamento, a atenção voltada apenas para o girar do disco do segredo do cofre, quando foi surpreendido por um reles serviçal. No afã de se desvencilhar do mordomo, numa luta corpo a corpo (nem Billy Lucky nem o empregado usavam armas), Billy socou-o com violência. Ao cair, o empregado bateu com a cabeça numa quina de cadeira, e morreu no ato. Billy Lucky terminou sua missão, limpando o cofre. Não conseguiu, entretanto, limpar todas as impressões digitais e a Scotland Yard não tardou em prendê-lo.

Desta vez, o azar de Billy foi grande, imenso. Indefeso nos dois crimes, foi-lhe imposta a pena de prisão perpétua.

Mas Billy Lucky sabia que nada é eterno. Assim, na prisão, deu início a uma transformação: do limão de seus dias de prisão tentaria fazer uma limonada. Granjeou a confiança e a boa vontade dos guardas e foi aceito como voluntário para serviços dentro da prisão. Começou como varredor e lavador das áreas de uso comum, passou a ajudante de cozinheiro e ultimamente, após quinze anos de reclusão, ajudava na biblioteca do presídio.

— Billy está recuperado. Se não fosse a dureza da pena, conseguiria uma condicional logo-logo. — Eram os comentários que corriam entre os guardas.

Com esse comportamento exemplar, conseguiu um indulto para passar um fim-de-semana em casa. Billy havia constituído família, o que não sabia direito se classificava como sorte ou azar. E assim lá foi Billy gozar de um repouso fora das grades. Com a condição de não se envolver com marginais, não beber nem usar drogas. Coisas da burocracia da prisão.

No sábado à tarde passou defronte uma casa lotérica. Sua atenção se fixou nos bilhetes da Grande Loteria de Verão, com um prêmio de cerca de 10 milhões de libras. A loteria iria correr na quarta-feira seguinte. Não teve dúvida: entrou e comprou um bilhete.

Foi um ato de muita sorte para Billy, pois seu número foi o premiado. Ficou sabendo na prisão, enquanto arrumava livros nas estantes da biblioteca do presídio. Billy Lucky era, de verdade, um homem de sorte: o mais novo milionário inglês, dono de 7 milhões de libras, o prêmio líquido da loteria, descontados os impostos.

Mas eis que a medalha da sorte/azar lhe apresenta o verso. Em função de sua “importância”, foi transferido para uma prisão especial, ao sul da Inglaterra, a fim de não sofrer eventuais ameaças de outros detentos. E suas saídas foram todas canceladas, uma vez que agora disporia de meios para financiar sua fuga.

ANTÔNIO GOBBO –

BH, 23/SETEMBRO/2004 =

CONTO # 300 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 14/07/2014
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