Mara entrou nua na sala , enrolada na bandeira brasileira. Ao som do hino nacional, executou uma coreografia bastante ousada. Imitava aquilo que Isadora Duncan fizera com a bandeira argentina no começo do século.
- Gostou? Perguntou com ar matreiro, sentando-se no sofá.
- Gostei bastante, apesar de não ser exatamente original.
- Resolvi te homenagear e lembrar os velhos tempos. Tivemos momentos muito interessantes, não acha?
- Tivemos. Até você resolver brincar de prostituta na Praça Mauá. A coisa mais idiota que já vi alguém fazer.
- Foi uma experiência muito excitante eu diria. Com o duplo sentido da coisa. Conheci representantes das marinhas de diversas partes do mundo, além de ganhar uns mimos.
- O grande problema é que você contraiu sífilis. O pior foi transmiti-la para mim.
- Eu juro que não sabia que estava contaminada. Mas, você ficou curado. Eu, não. Tenho seu perdão?
- Tanto tem, que fui visitá-la no sanatório em Santa Teresa.
- É verdade. A última imagem que tenho de você é indo embora no bondinho. Eu adorava ficar olhando o ir e vir deles. Era minha única distração. Olhe, sua querida Isabel acaba de chegar. Estou indo.
Isabel, Isa, a mulher pela qual eu faria qualquer sacrifício, entrou na sala. Sentou-se na poltrona e tirou as sandálias. Sentei no chão e acariciei os seus pés. Estava apreensiva.
- Eu preciso te pedir perdão pela burrada que cometi. Aquela noite eu fui seguida e acabei levando a polícia até você. Fui muito descuidada.
- Isa, você tem apenas dezoito anos e foi baleada, é quase uma...
- Criança? Eu sou uma mulher! Aliás, uma mulher que ama você. Não tem ideia do quanto o amo..
- Bem, se for pelo menos parecido com o quanto te quero, realmente você deve gostar muito de mim.
Uma luz intensa do lado de fora da casa, interrompeu nossas juras. Saí para verificar o que estava acontecendo. Foi assustador. Luz e som de estádio de futebol. Eu sentia a grama sob meus pés descalços. Estava em pleno Maracanã.
O jogador uruguaio avançou pela direita e chutou. O goleiro não conseguiu defender. Gol. A torcida se cala. Desolado, Barbosa vai buscar a bola no fundo das redes. Final da Copa de 1950, não acredito! Quando menos esperava, o mesmo lance. Gol novamente. O mesmo gol. De novo silêncio. Corri para o atacante uruguaio.
- Pelo amor de Deus, Ghiggia, o Barbosa e a torcida não sofreram o suficiente?
Ele olhou para mim, com olhar espantado e respondeu:
- ¿Qué puedo hacer? Es el destino. Suyo y mío.
Novo lançamento nas costas do defensor. Novamente o mesmo gol.
Fui até o goleiro Barbosa e gritei:
- Protege o canto. Derrube o atacante. Faz alguma coisa. Acabe com esta agonia!
Ele olhou-me desolado e disse:
- Este é o meu pesadelo. Nada pode ser feito. O pior é este silêncio. Aliás, o que você está fazendo aqui, no meu pesadelo?
Voltei para casa. Isa estava apavorada.
- Ele está aqui, afirmou. O capitão Olívio está aqui!
Apareci sentado e amarrado em uma cadeira de metal. Ao meu corpo nu estavam fixadas presilhas ligadas a fios elétricos.
- Acordou? Bela adormecida. Tivemos que dar um tempo. Parece que o seu coraçãozinho anda falhando, mas o doutor garante que ele aguenta. Foi bom, fomos assistir ao jogo final da Copa. Brasil e Itália. Ganhamos por quatro a um. Somos tricampeões do mundo. A taça do mundo é nossa. Para comemorar você vai responder às perguntas que eu lhe fiz.
Em seguida o capitão Olívio acionou à máquina de choques. Gritei. O ar começou faltar e o coração falhar. Tudo sumiu.
Encontrei Mara e Isa numa rua de Manhattan. Manhattan? Como cheguei aqui? Isa cobriu minha nudez com uma daquelas capas que os detetives usam em filmes americanos. Mara beijou o meu rosto. De uma loja de discos começou a vir o som de Louis Armstrong:
Grab your coat and get your hat
Leave your worries on your doorstep
Life can be so sweet
on the sunny side of the street
Abracei as duas mulheres de minha vida e segui para o lado ensolarado da rua.