Fantasmas

As ondas do mar embaçavam a sua visão, o barulho delas invadia e arranhava sua mente, porém de alguma maneira o sol daquela manhã não queimava a sua pele.

O mundo de Juliana tinha virado de ponta cabeça desde a morte da sua filha que ainda era uma criança. As suas dores nas articulações aumentavam e sua pele ficava mais esbranquiçada.

Com o tempo Juliana ganhou o incrível receio de sair à rua, o que fez ela perder o emprego. Tinha vergonha de passear com os amigos e até mesmo sozinha. Mesmo com o apoio diário do seu esposo ela preferiu expulsar ele de casa, o que não foi nada convencional, já que quebrou todos os frascos de vidro com hidratantes corporais.

Em pouco tempo o significado da palavra abraço perdeu sentido na vida dela. A sociedade olhava para ela de uma forma distante e com um ar de curiosidade. Juliana percebeu que era atendida rapidamente nos supermercados, clínicas e bancos. Juliana recordou que precisou vender móveis de sua casa pela internet, já que os diálogos tinham abandonado os seus dias. De uma maneira prática ela pagou suas dívidas causadas pela compra excessiva de maquiagem porque sua pele vivia seca e com placas avermelhadas. Toda a sua aparência estava distorcida, a ponto de ela quebrar todos os espelhos de sua casa além de ficar com raiva de si mesma quando aparecia vez ou outra uma poça de água em qualquer lugar.

A praia de Copacabana, com aquele lindo dia, aquele mar agitado, famílias sorrindo, um grupo de dez crianças que pareciam estudantes acompanhados pelas professoras e a agitação das barracas vendendo alimentos, tudo isso foi reduzido a pó.

Ela sentia-se estranha e as lágrimas ganharam uma força ao saírem dos seus olhos, porém ela adoraria sentir essa força, já que nem sabia quando seu canal lacrimal estava na ativa. Também começou a fugir das consultas médicas e dos seus clientes no escritório de advocacia. Deixou uma carta em cima das suas maquiagens para a família que nem sorria mais para ela.

Mesmo sabendo do seu objetivo naquele dia ela não transpirou, nem poderia, a falta de transpiração era da sua rotina assim como a queda de pelos. Cansada de tudo caminhou lentamente para o mar, nadou em direção a zona de risco até a água embalar e comandar o seu corpo. As ondas batiam de forma violenta nela, quando os pulmões pediram ar já era tarde demais e não tinha energias para chegar à superfície.

A água invadia sua respiração o que criou uma disputa entre a alma e o oceano. O emagrecimento de Juliana doava uma vantagem muito forte para cada molécula daquele mar, desta forma sua incapacidade de tentar salvar a própria vida era gigante. Visões de parques, sorrisos e fragrâncias estavam com ela a todo vapor. Sua missão de fugir da cidade, do estado, do país e do seu corpo estaria completa em pouco tempo e todo o pavor que sentia por causa das noites em claro tentando desenhar sua filha crescendo em páginas e mais páginas de papel, que foram mandadas raivosamente para a lixeira, estaria completa. O desespero nem apareceu quando todas as lembranças retornaram. Juliana apenas se concentrou na missão de morrer.

Quando seus olhos fecharam um salva vidas puxou o seu corpo e rapidamente retirou ela da água. Na areia, começou o procedimento que tinha aprendido há anos, enquanto isso, curiosos fizeram um círculo ao redor dos dois e ficavam extremamente nervosos a cada tentativa de reanimar aquela mulher desacordada. Mulheres já choravam assim como nove daquele grupo de crianças e suas responsáveis.

O salva vidas percebeu que ainda existiam leves batimentos no coração de Juliana e não desistiu, porém depois de quinze minutos as esperanças começaram a se perderem. Equipes de socorro não chegavam e mais pessoas apareciam para ver o que acontecia com aquele corpo estranhamente branco e com manchas vermelhas. O sol continuava a queimar e o calor provocava um alto nível de suor e preocupação em todos. O salvador pensou que tudo tinha acabado e apenas sentou na areia e começou a chorar por causa desta vida que outrora amava e agora estava deitada na sua frente possuída por água.

Um garoto do grupo de crianças manteve-se tranquilo o tempo todo, mas em uma brecha ele correu em direção à Juliana. Passou por todos e não se importou com o grito de suas responsáveis, ele chegou até o corpo dela após ter passado por pessoas que pareciam gigantes em comparação ao tamanho dele. O menino se ajoelhou em frente a ela, viu aquela mulher, mas não o seu exterior, de certo modo, observou a alma e todo o fardo que ela carregava. Sabia que o interior de Juliana pedia um modo rápido de acabar com todo seu sofrimento, afinal todos nós temos nossos receios, até aquele instante a vida dele não era um conto mágico, mas algo desconhecido mesmo com tudo aquilo a criança não deixou de sentir uma ligação entre os dois e ele sentiu os pequenos pelos da sua pele subirem e se entregou as emoções. Ele deixou escapar uma lágrima que tocou na face dela. De uma forma incrivelmente rápida o inconsciente de Juliana sentiu algo tocar sua pele e de repente ela acordou tossindo e expelindo muita água.

Juliana não entendeu o que acontecia, mas percebeu que o salva vidas era o seu marido Breno. Ele mais uma vez ajudou a vida dela a sobreviver.

Quatro anos se passaram e Copacabana brilhava de novo com mais um dia ensolarado. Breno estava no seu dia de folga, mas acompanhou a esposa e o filho no passeio de praia. Os três sentaram-se na areia e recordaram do que os uniram.

-Juliana, obrigado por acreditar no meu apoio – disse Breno

-Isso não precisa agradecer, não há nada melhor do que receber apoio de todos e do destino. Naquele dia eu percebi o quanto a vida tem valor. Ainda ganhei o seu amor de novo e o nosso filho que já está envelhecendo.

-Ei, eu só tenho oito anos mãe.

Entre sorrisos alternados Juliana disse: - Eu sei Emanuel, mas aquele dia foi muito importante, foi o dia em que ganhei coragem, foi o dia em que me levantei contra a hanseníase.

-Foi difícil, mas hoje você está curada graças a toda sua responsabilidade e harmonia de toda nossa família – ressaltou Breno

-Eu estava morrendo, mas tive a sorte de te reencontrar e rever meus conceitos. E graças ao nosso filho Emanuel que teve uma iniciativa grande e conseguiu-me fazer sentir a vida de novo, afinal isso é possível. O passeio desse meu lindo filho, com os seus amigos do orfanato completou todo o início da minha vitória. Só faltou eu ter uma iniciativa e eu a tomei, quando te adotei.

O barulho das ondas era periódico assim como a felicidade daquela família, cujo cada membro foi de extrema importância. A pele curada, o abraço do filho, cada grão de areia, o vento passeando por todos os seus pelos e a brisa do mar refizeram delicadamente aquela mulher que encontrou luzes no fim do túnel. Aquela mulher que tinha se reencontrado com a própria vida, reconquistado a coragem e o autorespeito.

Breno olhou Juliana nos olhos e beijou seus lábios como se nada tivesse ocorrido, mas ele sabia que muitas coisas tinham acontecido inclusive o crescimento do seu amor, então ele olhou as ondas do mar e sentiu satisfação. Juliana observou toda a agitação da praia e percebeu que agora tudo aquilo apenas completava sua diversão.

-Pode ir brincar Emanuel – disse Juliana que sentia a respiração lenta do filho no seu braço

-Obrigado mãe, mas não! Abraçar você me deixa tranquilo. Faz com que eu entenda a importância de um toque.

Matheus Andrade de Moraes
Enviado por Matheus Andrade de Moraes em 30/05/2014
Reeditado em 01/02/2015
Código do texto: T4826286
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