Dias da Vida

No por do sol de uma tarde Renata dirigia sua caminhonete em direção à sua fazenda, estava cansada de brigar com o marido, alimentava-se pouco e estava sonolenta. O sono e a velocidade do seu carro aumentavam para tentar escapar das adversidades.

Renata abriu os olhos e percebeu que estava fora da estrada de terra, teve apenas tempo de tirar o cinto de segurança. Assim que seu carro entrou em um lago profundo o Airbag inflou pressionando o corpo da mulher. Renata saiu do carro, mas não conseguiu sair da água, pois estava desacordada. Outra pessoa mergulhou no lago e tirou aquele corpo frágil e cansado.

Dois anos se passaram. Renata estava na cama de sua fazenda. Sentia-se como uma pessoa com esquistossomose, já que sua barriga estava em forma de melancia e com os ossos do tronco aparecendo, às vezes preferia explodir como uma bomba, porém não tinha forças. Viu seu marido sentado em uma cadeira ao lado da cama.

-Quero saber se você vai ficar ao meu lado o dia inteiro? Acha que estou imprestável? – perguntou a mulher com uma voz firme e rude, no auge dos seus 30 anos

-Ficarei até você se alimentar com algo. – disse ele de uma forma suave

Ela sorriu de uma forma sarcástica dizendo: - Carlos, seu incrível empresário e frustrado, foi você quem fez este café da manhã? Eu deveria ter me divorciado há dois anos, quando você me traiu.

Carlos levantou-se da cadeira e totalmente rígido ficou cara a cara com Renata.

-Por Deus, você está grávida e muitas mulheres desejariam ser mães. Pare de amassar as pessoas como se elas fossem papel.

-A culpa é sua, no dia em que descobri sua amante eu só queria vir para aqui – ela finalmente gritou – Eu estava grávida e teríamos um filho perfeito.

-Eu me sinto culpado o suficiente todos os dias, mas você tem que se lembrar de que agora teremos um segundo filho e de que o João se foi naquele acidente, então solte as amarras.

-Cale-se e vá buscar a parteira, estou tendo contrações, vamos acabar logo com isso.

Carlos saiu às pressas de carro e chegou à casa de Cida.

-Bom dia Cida! Vamos para a fazenda, pois já está na hora da Renata.

-Eu não vou, porque simplesmente não vou conseguir.

-O que aconteceu?

-O último parto que eu fiz foi há oito anos e a criança morreu.

-Esse é o problema? Ouça-me isso já faz muito tempo e algum dia você terá que superar. Todos nós temos os nossos medos, mas precisamos controlá-los e para isso acontecer você precisa confiar na sua personalidade. Você não está sozinha.

-Desculpe-me. Mas isso não faz sentido.

-Tudo bem então. Mas eu não posso perder tempo com a desesperança.

Carlos estava a caminho do carro com passos largos e firmes, Cida pensou naquele último parto e em Renata, era hora de fazer o certo.

-Tudo bem, eu acredito em mim! – gritou Cida

Quando chegaram à fazenda correram até o quarto, fizeram todo o procedimento juntos, houve gritos de dor e quando um choro de criança ecoou pela casa Cida sorriu de uma forma doce e simples, porém Carlos percebeu que Renata ficou pálida e fechou os olhos.

-Cida, minha esposa desmaiou! – exclamou Carlos – e o frasco do remédio dela está cheio.

-Remédio?

-É para o tratamento da endometriose.

Ao final da tarde, quando o sol estava se pondo, Renata despertou, o rádio que estava ligado começou a tocar a música Same Mistake de James Blunt.

-Fiquei preocupado, que bom que você acordou. – disse Carlos

-Não pense que estou feliz por você matar o João e em troca me presentear com uma menina quebrada.

Cida entra no quarto com o bebê e passa-o para o pai, ela fica de pé na porta do quarto observando.

-Sabe Renata, eu já estou matriculado para começar o curso de gastronomia.

-Tudo certo então, Sr.Chef, mas com 32 anos você terá que ser rápido – disse a frágil mulher

-Esta é a nossa filha. – imediatamente a esposa fechou os olhos.

-Eu já sabia da doença dela há meses.

-Mesmo assim você não abortou – disse Carlos já mais calmo – perdoe-me de verdade pelo meu erro. Lembra que essa é a nossa música? Esta é a música do nosso casamento. Ainda com os olhos fechados Renata se lembrou do dia em que eles se casaram.

-Eu nunca me esqueci daquele dia e provavelmente nunca me esquecerei de hoje. - disse ela

Carlos estava olhando a esposa, acariciando seus cabelos e invadia a mente dela aos poucos.

-Eu já te perdoei, desde quando você salvou-me do lago. – disse a mulher

-Você não estava bem e eu te segui a uma distância segura.

-Eu não vi o seu carro, mas depois que saí do lago, entre um desmaio e outro eu vi rapidamente os seus olhos preocupados. Perdoe-me pela minha ausência, é que eu só queria um culpado.

Carlos nada disse, apenas beijou delicadamente a testa da esposa e entregou a criança para a mãe. Renata sentiu algo percorrer seu corpo e sua pele arrepiar.

Exaustivamente, porém docemente Renata disse: - Afrodite! Esse será o nome dela.

Quando ela abriu os olhos o significado do nome da menina fez todo o sentido. Foi como se a síndrome de Down tivesse desaparecido. Os olhos da mãe encheram de lágrimas e mesmo debilitada ela sorriu para Cida. Renata sorriu para o marido assim que ele as envolveram em um abraço paternal. E finalmente ela sorriu para a filha, quebrando as próprias correntes internas. Segurando de leve aquelas pequenas mãos, sentiu que na vida, uma protegeria a outra até o fim.

Matheus Andrade de Moraes
Enviado por Matheus Andrade de Moraes em 25/05/2014
Reeditado em 01/02/2015
Código do texto: T4819646
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