A lavadeira

A lavadeira

14/05/10

Mesmo estando cansada e com o corpo todo dolorido, a mulher lavadeira não se esqueceu do filho. Arrastando os pés, entrou no quarto do garoto – um homem já formado; mas que ela fazia questão de eternizá-lo como um pequeno – e saiu rapidamente puxando um grande cesto com as roupas sujas da semana. Apesar do peso do cesto e do cansaço do corpo, a mulher só parou quando encostou seu umbigo no tanque de lavar roupas, no fundo da casa, onde havia uma área coberta de telha de barro.

Por um minuto ou dois a mulher ficou parada, compenetrada em frente àquele cesto de odor forte e relembrou, inevitavelmente, um momento de sua história. O filmezinho que rodou em sua cabeça estava datado de há muito tempo, dez anos atrás, mas naquele momento não havia distância entre passado e presente e ela se lembrava perfeitamente da cena. Tão perfeitamente que lhe ocorreu até a cor da roupa do filho; até mesmo a cuequinha branca com duas listras na horizontal.

“Mãe! Mãe! Olha o que fizeram comigo”, o filho entrou correndo pela casa como se estivesse fugindo; e de fato estava. “Foram os moleques da escola; aqueles malditos. Me pegaram na saída. Quebraram ovos e depois jogaram terra”, o menino entrou para o quarto como um foguete e naquele mesmo instante começou a se despir.

“Nossa, que horror”, disse a mãe, entrando no quarto. “Todo ano será assim?”

“Acho que…”

“Não, não jogue no chão!”, ralhou a mãe. “Coloque no cesto…”

Quando o filmezinho acabou e a mulher deu por si, estava chorando. Estava chorando em frente àquele mesmo cesto de há muito tempo.

A mulher então tomou uma peça daquele monte e abriu-a com as mãos. Depois de ver o sangue, já seco naquele tecido, sentiu sua cabeça cair como se estivesse desmoronando sobre o corpo. “Meu filho não é mau. Não, de forma alguma…”, jogou a roupa que tinha nas mãos em uma das bacias do tanque e imediatamente retirou outra peça do cesto. Abriu-a e viu a mesma mancha escura. Tornou a dizer: “Meu filho não é mau. Ele não é assim. É um bom garoto”, jogou a peça no tanque e puxou outra. Mais manchas. Retirou uma terceira e também tinha manchas. Manchas. Manchas. Todas as peças manchadas de sangue; sangue alheio, tinha certeza.

O filho sempre fora um bom garoto. Estudava, lia, brincava com os colegas da rua, nunca dera trabalho. Vez ou outra, muito raramente, a escola ligava para a mãe e dizia que seu filho havia entrado numa briga na hora do recreio, mas o fizera por simplesmente revidar, o que, na concepção humana, é bem melhor que começar a briga. Mas foram poucas as vezes, poucas que podiam ser contadas com uma mão apenas; e isso contando também o período do ensino médio, quando já era maior.

Consternada, a mulher ligou a torneira e deixou que a água enchesse o tanque. Depois, jogou sabão e começou a esfregar as peças, uma a uma, dizendo repetidas vezes a si mesma que o filho não era mau.

Mas então porque mata?

“A vizinhança sempre fora boa”, começou a mulher a si mesma. “Não havia más influências, pelo menos não que eu soubesse. Então como pode…Fui eu. Fui fraca; não dei a educação que um filho merece. Não o consolei quando o pai foi embora. Quando ele mais precisou…Era tão pequeno...”, a mulher chorou como uma criança. “E agora? Eu não posso fazer nada. Estou impotente e de mãos atadas. Carregarei esse fardo que é a minha má conduta por toda a minha eternidade. Não é culpa sua, você é bom, é um bom menino. Eu é que fui fraca como mãe. Eu te amo, filho. E não te culpo, jamais.”.

A mulher lavou toda a roupa e não se esqueceu de nenhuma. E na semana seguinte, e seguinte, voltou àquele mesmo tanque, para as mesmas roupas. Para cada peça que deixava no varal havia um pedaço de si que doía deveras. Mas continuava, porque era mãe.

07/04/10

Notícia do dia: Dona de casa de 47 anos é encontrada morta na cozinha de sua casa. Já é sabido tratar-se de assassinato. O filho é principal suspeito.

Hugo LC
Enviado por Hugo LC em 14/05/2014
Reeditado em 27/05/2014
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