AO MEIO-DIA

Dona Esmeralda me pegava para contar histórias do tempo em que ela era menina. Sabia que eu gostava dessas histórias de assombração, alma penada, coisas do outro mundo. Eu me sentava com ela debaixo do pé de jambo no jardim, a aragem fresca e a sombra enorme abraçava a tarde toda. Ela mandava trazer uma garrafa de café e o potinho de biscoitos de araruta. Sem tirar os olhos do crochê, começava a narrar bem devagar, sempre com uma pausa silenciosa para um gole quente de café.

Começava sempre assim:

- Quando eu era menina... – olhava pra mim por cima dos óculos de lentes grossas – eu morava ali no bairro de São João do Tauape. Bem em frente da minha casa, morava um casal. Ele era pescador e todo dia de manhãzinha saía para o porto das jangadas na enseada do Mucuripe.

Pausa para o café. A tarde pronunciava-se bela. O som bucólico do apito de um trem passando ao longe ainda retém-se na minha memória. Então ela voltava para a história.

- Esse rapaz, que era pescador, saía muito cedo e só voltava tarde da noite, mas nesse dia ele chegou mais ou menos ao meio-dia, para a surpresa de sua esposa, que o recebeu ainda na calçada. Ele estava com as roupas todas molhadas, encharcadas mesmo, que a água escorria, molhando tudo. A mulher ficou muito chateada com aquilo e começou então a ralhar com ele, pois ia molhar a casa toda, que ela acabara de limpar. O marido nada falou. Apenas entrou em casa e foi direto para o quarto e se deitou na cama do jeito que tinha chegado.

Dona Esmeralda fez outra pausa. Olhou-me para conferir a minha reação diante daquela história. Tomou mais um gole de café e um biscoito de araruta. Era o jeito dela de fazer suspense. Deliciava-se com a curiosidade do ouvinte.

- Pois bem... - continuou – a mulher ficou tiririca com o marido. Começou a reclamar que ele tinha molhado a casa toda e encharcado toda a cama, que ela tinha acabado de mudar. Foi buscar uma toalha e umas roupas secas para o marido, mas quando entrou no quarto, não o encontrou mais. Muito intrigada, correu para fora, para ver se o marido tinha ido embora, mas nada, não o encontrou e ninguém o tinha visto sair. Não preciso dizer que a pobre da mulher ficou desolada com aquilo. Sentou-se na calçada e esperou o marido voltar. Anoiteceu e a mulher sentada na calçada e nada de o marido voltar para casa. Tarde da noite veio a terrível notícia de que a jangada tinha naufragado e todos os pescadores tinham morrido afogados em alto mar. Enlouquecida, a pobre mulher dizia que não era possível, pois ele tinha chegado mais cedo naquele dia.

Dona Esmeralda fez outra pausa. Tomou mais um gole de café e com muito suspense concluiu:

- Ele tinha morrido exatamente ao meio-dia.