O porta joias
Desde que sua mãe morrera, nunca mais pusera as mãos na caixa pequena, com pequenas pedras incrustadas na tampa e forrada de veludo vermelho. Lá dentro estava a corrente que ela lhe entregara ainda no hospital, antes de fazer a cirurgia da qual não retornara. Guardara ali o pequeno tesouro que sempre vira brilhar no colo dela, orgulhosa da medalha milagrosa de Nossa Senhora das Graças, que sempre a protegera e atendera seus pedidos de mãe aflita e sonhadora. Guardou sua dor ali dentro também. Agora olhava a caixa com receio de abrir, com medo de chorar, de não suportar o peso do vazio que escondera ali dentro.
Fora da caixa, a vida continuara a mesma. O trabalho não lhe deixara muito tempo para chorar a falta que ela fazia. E quando chegava em casa, ocupava seu tempo cuidando dos mínimos detalhes para que a casa permanecesse viva, bonita e reluzente, da forma que ela sempre gostara. Nunca a decepcionara em vida, e não seria agora que a deixaria triste por não cuidar direito do que era dela. E continuava sendo. Como a corrente, que guardara lá dentro e que agora cismara de olhar. Tocou a tampa com cuidado e abriu a caixa devagarinho. A corrente permanecia ali, com a medalha de ouro, agora sem brilho, sem vida, sem graça. Colocou entre os dedos e procurou a extensão do colo onde antes ela descansava, à procura de um abraço que não houve. De repente, toda a dor que guardara na caixa se alojou no seu peito. E as lágrimas que até então não chorara começaram a brotar, devagarinho, no mesmo ritmo da saudade que estava ali, escondida. Recostou-se no sofá, abraçou as próprias pernas e se fechou nas lembranças dos últimos momentos juntas. Assim passou a noite. E quando a manhã bateu em sua janela, devolveu a corrente ao aconchego do veludo vermelho. Trancou sua dor novamente lá dentro e se arrumou para ir para o trabalho. Só que dessa vez levou o porta jóias junto. No caminho, entregou a corrente para o primeiro mendigo que encontrou pelo caminho. E ao se livrar da corrente, sentiu-se leve, finalmente ela mesma. Enfim, dona do seu próprio destino. E atirou sua dor, guardada no porta jóias, ali mesmo, nas águas do rio que cortava a cidade. E pela primeira vez, entrou na sala do escritório sorrindo.