Sátiros, Faunos, Ninfas, Sílfides e Outros Bichos Parte I

Parte I

Dedico para meu grande amigo psiquiatria, escritor de hai kais, homepata e romancista Marco Teixeira. Bom final de semana, meu velho, e quem sabe mais além um bom uísque?

Tenho autocrítica, não se preocupe.

E sou maluco. Não precisa ninguém apontar o dedo pra mim. Tenho consciência plena da minha loucura e a mantenho sob controle e assim a sanidade fica preservada. O problema é que eu escrevo. Não tem nada bonito ou glamoroso no ato insano de dirigir uma caneta sobre uma folha de papel em branco ou ficar martelando teclas de seja lá que método se use. Pelo contrário. É só dor e perda. A arte tem que ser atormentada senão vira essa cultura de massa que ninguém agüenta mais a não ser a quem a patrocina e financia e por falta de opção o povo compra. Mas, essa é outra conversa. O devaneio foi longo. Ou será que foi um hiato alcoólico na minha mente? Ou será que foi em astral? Não. Em astral também já é demais! Não descarto nenhuma hipótese, porém... Ou será que sonhei? Ou criei da minha imaginação para escrever um conto? Sabe-se lá. Valha-me Lord Krishna Senhor de Todas as Coisas!

Parada foi à seguinte: Numa manhã de sexta feira eu acordei tarde. Tarde para meus padrões recém inaugurados de empedernido madrugador. Acordei de péssimo humor como sempre. Tudo ácido. A luz do sol refletida no basculante do banheiro me feria a vista. Intestino em convulsão. Gosto de cabo de guarda chuva na boca. Aquela sensação de impotência e desagrado diante do cotidiano banal & brutal. O cansaço perene. A certeza da insignificância. Todos os sintomas normais de várias décadas. Ora, ninguém é velho aos 44, contudo aos 15 depois que li de uma paulada só o Burguess, o Huxley & o Orwell e aliado a um velho alcoolismo cuidadosamente cultivado, envelheci à minha maneira, não necessito de justificações como tantos por aí, me habituei. Fiz o que tinha que fazer e entrei uma ducha tépida. Chegou o outono na cidade faz uns dias atrás. Sabe como é. A última coisa que preciso é que me voltem as hemorróidas e a rinite. Terminado isso já me sentia bem melhor e como era fim de mês e a minha grana já tinha saído na véspera resolvi checar a correspondência. Peguei uma garrafa de água mineral na geladeira, vesti umas cuecas limpas e meu casaco de couro , calcei sandálias e fui pegar as contas. Contas, contas e contas. No meio delas um bilhete escrito com garranchos selvagens e quase ilegíveis e um papel amarelado pautado como um bloco antigo de anotações. Aqueles pretos muito comuns nas redações de outrora (essa foi de foder..., Revisor! Pode deixar como está. Mea Culpa! Mea Culpa! Mea Máxima Culpa! Não tenho pudor estilístico, não.). Então, como eu ia dizendo. Quando fui ler a tal nota – à principio – tive dificuldade na tarefa e demorei afinal a minha visão nunca foi lá grande coisa e o melhor exemplo são as peças raras que me apaixonei na minha vida e que hoje as quero muito bem. Bem longe de mim... Porém quando decifrei aquele hieróglifo um arrepio transpassou pela minha nuca e arrepiou meus pelos:

“Ilmo. Sr. Töpera, Geraldo.”

“Hoje, dia 28 de março de 2014. Ano Cristão. A “entrevista imaginária “a ser realizada à luz dos archotes, à meia noite ( segundo Machado de Assis ‘é a hora que apavora’), no “terreno baldio” e tendo a presença da cabra vadia que não comete inconfidências e a audiência de faunos, sátiros, duendes, ninfas, sílfides, caramujos, lagartixas profissionais, pulgas, piolhos, sapos e rãs coaxantes e a indefectível coruja, clamam sua pessoa para dar declarações. Toda a unanimidade é burra. Com apreço e consideração. Nélson”.

Merda. O que diabos queria dizer isso? Alguma peça desses meus amigos bêbados e chapados, no mínimo. Meu apartamento andava até que agitado nas últimas semanas. Algumas canções maneira foram compostas aqui. Algumas conversas interessantes foram travadas aqui e alguns porres delícia foram tomados aqui. Não que tivesse se convertido num barzinho ou numa boate e tinha gente de confiança que sabia o código do portão de acesso e por acaso estariam a fim de zoar o cérebro já combalido de tanta vodca e fumo do degas aqui?Ou apenas um efeito retardado os ácidos dos anos 80? Bem ainda não levei nenhuma gata pra cama. Esse realmente é o último dos meus problemas. Estou calmo. Fiquei lendo e relendo aquela coisa e tomando goles de mineral direto da garrafa plástica. Demente que sou resolvi conferir e segui minha rotina planejada na véspera. Dei uma ciscada na rede. Terminei de vestir, liguei para o trabalho confirmando que teria que fazer as minhas terapias e que ainda tinha descolado uma sessão de Reiki na faixa com um velho companheiro (e era pura verdade, dessa vez! ) e lá fui eu. Comecei pela acupuntura. Aquela simpática e jovem senhora me conforta. Passa minha dieta que tenho que manter pra minimizar os danos de todas as toxinas com que me entorpeço e tentar tornar os outros interessantes. Fico lá de uma a duas horas só inspirando e expirando e sentindo o mundo. Quem não acredita que isso funciona deveria dar um tiro na cabeça ou calar a boca. Beleza. Depois os alongamentos. Já ficou a noventa graus? Eu já! Quase todas as semanas. Relaxa, sabia? Pra finalizar um Reiki. Sabedoria oriental da pesada. Alguma vez alguém já ficou sem fazer absolutamente nada? Deveria experimentar... E pra não perder o costume fui pro bar de sempre com o pretexto de encontrar conhecidos e bater papo. Desopilar a semana. Essa está entre as outras desculpas esfarrapadas que a gente dá até pra gente mesmo pra beber e delirar. E não é que encontro o povo desencanado e descolado da minha banda? Gente linda, fina, elegante, sincera e modesta e humilde assim como eu. Beijos e abraços fraternos. Cervejas, copos e doses puxadas. Ideais e idéias românticas trocadas. Harmonia total.

Lá pelas tantas ,embalado por alguns copos comentei sobre o bilhete que tinha recebido pela manhã e os meus amigos me olharam com o olhar costumeiro. Que eu estava devaneando outra vez. Peguei a turminha na mentira. O bilhete era trote, porra! Uma peça pra ludibriar o trouxa aqui. Enrolei e fiz cara de paisagem. Eu ia cair no conto. Só pra podermos gargalhar juntos. Eita, altruísmo bonito! Onze e quinze peço a saideira, encho meu copo, viro garganta abaixo, me despeço alegando um compromisso e ainda tenho que aturar pelas fuças o velho: “—Töpera perambulando pela rua esta hora só deve ser rabo de saia”. Não digo nem que sim e muito menos que não e vou pra casa trocar de roupa. Só que ver qual é a brincadeira.

Curitiba, 28 de março de 2014, 21 grau célsius, Outono

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 28/03/2014
Código do texto: T4747279
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