O PADRE
O velho padre passava por noites inteiras insones. O desejo sexual por crianças lhe apunhalava constantemente a sanidade, rasgava-lhe a carne em frangalhos, atormentava-lhe a alma como uma fome insaciável.
Uma vez se apaixonou febrilmente pela fotografia dos três pastorinhos da imagem da Cova da Iria, no Santuário de Fátima em Portugal. Sofreu como um cão faminto por aquele terrível e vergonhoso sacrilégio. Foi quando compreendeu o quanto aquilo tudo era ridículo e beirava à loucura. Decidiu então que era hora de parar. Mas não parou. Não teve forças para dominar os demônios que lhe atormentavam.
As imagens dos santos lhe acusavam diariamente. Os anjos do altar viravam-lhe as costas. A imagem de Nossa Senhora vertia lágrimas de sangue. As velas apagavam-se quando ele passava. Na hora da missa, mil demônios se sentavam na primeira fila e lhe sorriam zombeteiramente, desafiando-lhe e expondo suas vergonhas. Então ele chorou.
Deus o tinha abandonado?
Deus não abandona os miseráveis, tinha ouvido certa vez. Então ele orou.
Estava absorto em suas orações desconexas, quando alguém bateu à porta na casa paroquial. Ao abrir, deparou-se com uma menina. A doentia alma dele se contorceu e ele salivou qual um lobo. A menina olhou-o com um olhar reprovador. A menina tinha os olhos tão verdes que reverberavam a luz transparente dos vitrais.
O velho padre curvou-se de pura vergonha e agonia. No momento seguinte não viu mais a menina. Sentiu de repente chegar-lhe uma vertigem, uma náusea terrível. O vômito veio-lhe abundante, um jorro quente, um vômito preto como petróleo, nauseabundo, terrivelmente mal cheiroso. Vomitou a noite inteira, varou a madrugada, desfez-se e derreteu-se totalmente, desaparecendo paulatinamente até chegar o amanhecer.
No dia seguinte não mais o encontraram na casa paroquial. Nem na sacristia, nem na capela, nem em lugar algum que o procurassem. Apenas suas roupas jogadas no chão, desabotoadas e encharcadas. Disseram ainda que se sentia apenas um leve odor de enxofre no ar.
Nunca mais foi visto.