Maldita fita
Sua opinião é, sim, bastante proveitosa. Bem mais que o seu silêncio. (hehe) *Discurso para ganhar comentários*
Enquanto eu lia o jornal da manhã, meu pequeno amigo desfilava incansavelmente pelo quintal em terra. Ia por aqui e ali, voltava, tornava a ir e depois seguia por um caminho oposto sem nenhum motivo aparente. A cena não era muito compreensível para mim. Aliás, não era nada compreensível e nem justificável. Aquela manhã deveria ser percebida ou lendo calmamente um jornal ou prolongando o sono numa cadeira de balanço ou, ainda, o primeiro (leitura) e o segundo (sono) sucessivamente. Mas, não, o cachorro teimava contra os princípios matutinos e não parava de forma alguma. Deus me livre!
Depois de um longo tempo de leitura e de perturbação e incômodo que o cachorro e sua caminhada sem freio me suscitava, decidi tomar uma iniciativa imediata. Infelizmente não pesei minhas palavras: “Senhor que me ouve e que sabe a quem clamo, faça com que esse pobre cachorrinho inocente pare por um minuto que seja!” Fui imperativo com a autoridade – como já disse, não ponderei minhas palavras.
Então, passados dois minutos desde a minha pequena oração e, de repente, minhas palavras surtiram efeito. O cachorro finalmente se aquietara. Bem, não estava tão quieto assim quando eu o vi, mas também não andava mais feio louco. O animal agora rodava sem parar e tentava, a todo custo, retirar um pedaço atrevido e misterioso de fita isolante que grudara na sua pelagem traseira. Os giros foram tantos e tão rápidos que meu cachorro começou a afundar num buraco que ele mesmo cavava. E eu ria e não parava de rir. “Se girar para o outro lado, talvez você voe, amigo” E continuei com as gargalhadas.
A luta permaneceu assim por mais algum tempo, cachorro inquieto contra fita ousada, e só chegou ao fim quando o animal conseguiu arrancar a maldita do seu pelo.
Infelizmente, quando foi comemorar a vitória levantando a cabeça aos céus para curvar o sorriso ensaiado de campeão, viu o pedaço de fita agora preso no seu focinho. Seu semblante mudou imediatamente e seus olhos se envesgaram por completo. E a luta recomeçou: “Segundo Round!”, eu disse a mim mesmo, e, claro, com gargalhadas.
Do focinho a fita foi para a pata dianteira direita e depois para a boca, em seguida para a pata dianteira esquerda e depois para uma das traseiras e...Resumindo, a fita passeou por todo o corpo do cachorro. Até que, ironicamente, foi parar no primeiro lugar em que ela grudara. E com esse golpe baixo o animal não se aguentou. Se aproximou de mim e...
– Você só vai ficar rindo, seu desagradável? Vê se me ajuda. Anda!
E foi inevitável. Meus músculos se enrijeceram e meus pés me impulsionaram para trás num movimento mais que rápido. Caí da cadeira sem nem mesmo perceber minha queda. “Ai!” Senti uma forte dor nas costas mas, sem demora, levantei-me e me afastei o quanto pude daquele...E ele me seguiu.
– Você nem parece um adulto de...trinta anos? Para de frescura e vem me ajudar, porque essa...Olha, essa fita ta me testando e eu já estou sem paciência. Sem nenhuma! Para eu fazer uma besteira é daqui para ali. Então vem logo antes que eu...Saia de mim sua miserável! Ô coisa ruim, viu...
– Você quer que eu tire a fita?
– Não, quero que você consiga outra dessa e pregue do outro lado do meu traseiro! Você precisa ver o tanto que é agradável.
Eu não disse nada, e continuei parado.
– Mas é claro que eu quero que você tire a fita, ora. Meu Deus! Só pode ser a alimentação...
E o episódio então passou. Meu cãozinho agora vive sem a maldita fita e não anda mais feito um maluco e sem motivos, quando pode aproveitar uma bela manhã.
Todos os dias, nos sentamos e lemos, juntos, o jornal matutino, eu na minha velha cadeira de cordas e ele numa que mandei fazer sob suas medida. Somos uma bela dupla, e eu nem assusto mais quando ele resolve falar.