'' ERA APENAS MAIS UMA CASA ''

Uma casa é uma casa, um lar é outra coisa.

Eu morava em uma parte de um bairro considerado de classe média...que coisa!!! pessoas rotuladas, divididas, separadas por classes...classe alta, classe média, classe baixa, classe pobre...esta última classe então!!! e tem tambem as intermediárias..classe milionária com suas classes acima e abaixo, ...classe alta baixa, classe média alta e classe média baixa...caramba!!! parecem até '' castas '', confundem a cabeça das pessoas... e eu morava portanto no meio destas ''confusões'' toda de castas, ops!!!...classes.

Morar no centro da cidade era para classe alta, os comerciantes, os grandes atacadistas, tinham suas lojas na parte térrea e moravam na parte superior ou ao lado das lojas e seus funcionarios e ajudantes vinham dos bairros ao redor, os que exerciam funções liberais, medicos, advogados, dentistas moravam em mansões proximas dos centro, a cidade florescia, crescia, andava na linha como se dizia, todos '' sabiam o seu lugar '', cada um na sua, na sua vida...na sua casa, no seu bairro, na sua rua...ninguem ultrapassava seus limites, cada um desempenhava sua função na sociedade sabendo como agir e se comportar.

Mas sempre tinham alguns que '' quebravam'' estas regras estabelecidas mas não escritas....como no caso do filho do grande e rico atacadista que morava no centro da cidade, e que era tambem dono da fábrica de elásticos que ficava no meu bairro,...o filho quando se formou veio trabalhar como vice-presidente na fábrica e se '' engraçou'' com uma das moças que na fábrica trabalhava como operária, era da classe pobre alta, não queria nada com o tal moço rico e bonito, ele louco de amor e desejo por ela a cortejava , com o tempo ela concordou, namorou e casou....casou sobre tremenda oposição das duas familias, sofreu o pão que o diabo amassou, foi ameaçada até de ser expulsa de casa pela familia, que nada!!! e o rico mancebo foi até mandado para as europas da vida por um ano para ver se a esquecia, que nada!!! quando voltou foi na casa dela, pediu em casamento...casaram, sofreram com isto a vida inteira...diziam as más linguas que nenhum dos dois '' sabiam o seu lugar '', que ele por ser rico e poderoso não se acostumaria com conviver com a familia dela, com aquela familia de '' baixarias '', e que ela por ser pobre nem saber falar direito sabia quanto mais se comportar em uma mesa...e tudo isto gerado pela famosa divisão de ''castas'', ops!!! classes.

Como minhas notas ao terminar o primario eram boas e eu gostava de estudar meus pais foram orientados a ir procurar uma escola do governo estadual que ficava do outro lado da cidade e em um bairro '' nobre ''...e lá fui eu estudar por lá, gostei, claro!!!, com onze anos e teria que me deslocar de onibus até lá, indepêndencia!!! ou morte, ou ia ou ia...fui....fui e vi....vi a diferênça gritante da separação de castas, ops!!! de classes, mas como me haviam ensinado, enfiado na minha cabeça que '' saiba o seu lugar'' eu quieto, calado, ficava, estudava e mais nada...minha função era estudar e não ficar me intrometendo no que não me ''pertencia'', mas quem consegue ficar assim, viver assim....fui me ''introzando, fazendo turma '' e a coisa foi piorando...vichiii!!!.....uma vez um amigo de classe que morava proximo da escola me convidou para no fim da aula ir até a casa dele passar a tarde, falei em casa, tentaram me convencer a não ir, fui...de novo, fui e vi...vi a diferênça gritante....até piscina a casa tinha e o pior até a empregada ficava me perguntando ''coisas de minha vida'', tais como...quem eram meus pais...onde eu morava, coisa que a mãe do meu amigo já me havia interrogado antes e eu tive a nitida e perfeita impressão que ela ao comentar com a empregada havia torcido o nariz...meu amigo nunca mais me convidou e acho que ele aprendeu a lição...se colocar no lugar dele...com certeza!!! com certeza levou bronca e foi lhe dito para nunca mais fazer isto...convidar estranhos de bairros distantes para ir nadar na sua piscina...desaforo!!! e foi com certeza uma das primeiras lições que ele aprendeu sobre ''pré-conceito''.

Em frente da escola havia uma casa, uma casa não, um palacete ou eu diria....uma mansão.

Logo no primeiro dia de aula eu via o jardim, a frente da mansão toda pela janela da classe que eu estudava, a classe era no primeiro andar, os muros da frente da mansão não eram altos, eram tres andares, um portão central e dois laterais para entrada de carros e plantas, muitas plantas e árvores, parecia um bosque, árvores altas e frondososas davam sombra na mansão... eu admirado contando janelas e mais janelas, só da frente, parte que eu via, parte que era visivel e ficava imaginando quantas mais janelas haveriam, quantos '' comodos'' teria, como seriam distruibuidos e quem viveria em tudo aquilo e minha imaginação corria solta, fantasiava, criava, vivia situações como se eu morasse, vivesse ali na mansão e uma manhã olhando pela janela algo veio na minha mente....

Eu nunca havia presenciado viva alma entrando e saindo da mansão, nunca vi um carro entrando portão afora, comentei isto com minha avó um dia e ela, sábia como todo avó, me dizia...'' ...ahhh mas deve morar alguem por lá sim...e só voce observar se tem lixo colocado na rua ''...fiquei na moita, fiquei na espera de ver lixo ser colocado para o caminhão da coleta apanhar...nunca vi....coisa estranha!!!, depois de dias na tocaia e nada vendo comentei de novo isto com minha avó...'' vai ver que colocam depois que voce sai da escola e o lixeiro passa de tarde por lá...'', ....ahhh!!! é asim é?...dava um jeito, pregava umas mentiras em casa e ficava zanzando ate mais tarde ou então vinha para casa e arrumava umas desculpas e tinha o trabalho de ir até na rua, descia e subia varias vezes e nada.....nunca vi nada....estranho!!!

Minha avó agora era minha aliada na busca e descoberta do mistério da mansão...hehehehe...viviamos conversando as escondidas e ela me dando dicas...'' toda casa necessita de reparos, de pequenas pinturas de vez em quando...''' e lá ficava eu na espreita de ver se vias pintores, encanadores, eletricistas....nada!!...'' mas com certeza tem alguem que cuida do jardim, poda as árvores...'' dizia minha avó.....nada via eu e isto lhe dizia e um dia ela foi comigo como se estivessemos passeando olhar a tal mansão, ficou maravilhada com tanta beleza arquitetonica mas tambem não notou sinal de ninguem, e olhem que minha avó como boa mulher tinha olhos de águia e ficou olhando, olhando pelas grades, olhando tudo...notou que não haviam ervas daninhas nem nas calçadas e muito menos nos patios internos, ficou nervosa com isto, me dizia que iria apertar a campainha...e dito e feito apertou e se fustrou...ninguem veio atender....dizia ela agora que iria apertar campainhas de porta em porta das outras casas...pedi que não, ela me olhou e concordou...seria muita baixaria e ela sabia '' seu lugar'', voltamos para casa e minha avó parou de comentar sobre isto comigo e anos mais tarde me dizia que isto a tinha deixado quase '' louca '' porisso achou melhor esquecer...eu não esqueci não mas o tempo passou e eu depois de estudar por cinco longos anos naquela escola me formei e fui estudar em outro lugar totalmente diferente e o misterio da mansão '' sem gente, sem moradores, sem lixo '' ficou insoluvél para mim, fui viver minha vida....cresci, casei, tinha familia e trabalhava duro.

E no trabalhar duro e nas voltas que a vida dá e por fôrça do meu trabalho acabei conhecendo um advogado, ficamos amigos, tinhamos a mesma idade e ele necessitava sempre dos meus trabalhos de contador para certos assuntos.

Muitas vezes ia ao seu escritório pela manhã e o trabalho iria até no fim da tarde, almoçavamos juntos e uma destas vezes ele me convidou para ir até um local onde estava sendo feita uma avaliação por uns peritos, me dizia que era a casa dos bisavós dele que iriamos ver, fui...fui e vi...vi a tal maledeta mansão da minha danação...mas no primeiro momento não atinei que era ela, a rua que ele estacionou o carro era paralela a rua da antiga escola, um muro alto, portões abertos, pessoas na casa e logo vi...ali era o quintal da casa, a parte dos fundos e fomos indo...indo e eu me maravilhando com o interior da casa e ainda comentei...'' parece mais é um palacio...uma mansão '' e ao falar mansão vi pela porta aberta da grande sala de entrada o predio da minha antiga escola...corri, ele se assustou...veio atras de mim, eu andandando de '' costas feito currupira'' no jardim e olhando para a mansão e para a antiga escola...era ela mesmo, eu havia entrado pela parte traseira, havia uma parte traseira e eu nunca havia desconfiado, cai sentado na grama do jardim....

Marcos assustado chegou perto de mim, me estendeu a mão, aceite e levantei...contei tudo e ele rindo e me contando....

Naqueles anos que eu estudava na escola em frente seus bisavós ainda eram vivos, já beiravam quase os noventa, estavam velhos, fracos e doentes mas se recusavam a sair da mansão que o bisavó havia mandado contruir mesmo antes de se casar, casou, tiveram filhos e a vida toda moraram ali, os filhos se casaram, a mansão ficou grande demais e eles ocupavam apenas a parte da casa de hospedes nos fundos, uma empregada morava junto e cuidava deles e a maioria dos comodos da mansão ficavam sempre fechados, somente a parte de tras era utilizada, o lixo era colocado na rua de tras...( ele riu muito quando eu lhe contei sobre minhas '' sherloquices '' sobre isto) e o marido da empregada trabalhava em outro lugar e nos sabados e domingos fazia pequenos reparos necessários na mansão, trocar uma telha, um beiral quebrado pela chuva, podava as arvores, cortava a grama...e todo carro só usava a entrada dos fundos....cassetada!!!!, pensava eu...cassetada!!! nunca havia aulas aos sabados, muito menos aos domingos, e eu estudando de segunda a sexta, claro, não podia ver movimento nenhum mesmo....

A bisavó faleceu primeiro e foi justamente um ano antes de eu me formar e no ano seguinte foi o bisavó, a mansão ficou fechada um bom tempo até que um dos filhos veio morar por lá mas neste tempo eu nem pela rua mais passava e depois foi alugada para uma escola de inglês, depois foi um banco por bons tempos e neste momento que eu me encontrava por lá estava sendo avaliada para ser colocada a venda....haviam já grandes construtoras interessadas, ponto super valorizado, um edificio de muitos andares seria o projeto, e assim foi....

Tempo depois a mansão foi vendida, demolida e no lugar hoje existe um edificio enorme de apartamentos de luxo....

Minha avó estava bem velhinha mas eu fui um dia visita-la e quando estavamos sós eu lhe disse que havia descoberto o mistério da mansão sem gente, sem carro, sem movimento, sem lixo...ela arregalou os olhos e apertou minha mão...contei, contei da parte de tras, da maledeta parte traseira...ela apertava minha mão e ria...ria e com muita fôrça na voz me dizia...'' obrigada, agora posso morrer em paz, gostei, gostei demais de saber e melhor ainda que voce tambem ficou sabendo...mas lembre-se...era apenas mais uma '' casa'', nada mais....não era mais que isto..era pedra sobre pedra e mesmo assim nem isto é mais ...'''

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WILLIAM ROBERTO CUNHA
Enviado por WILLIAM ROBERTO CUNHA em 22/01/2014
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