A FENDA

A FENDA.

Passa-se todo o universo pela fenda, aquela pequena fenda que um dia já foi preenchida, aquela fenda que um dia nunca existiu. Criou-se a partir do envelhecimento Do material ou por sua fadiga, pela fragilidade frente ao tempo, pela fragilidade do meu olhar.

Certamente não tenho nada a fazer, vou olhar pela fenda, vejo bem diante dos meus olhos tudo aquilo que está solto a sua volta, sinto-me como um presidiário na solitária, sinto-me como num sonho tentando correr sem sair do lugar, sinto-me como um corpo atirado na água com os membros amarrados afundando lentamente, inerte.

Vejo aquele jardineiro inclinando-se para frente, limpando as folhas do terraço do vizinho, e imagino: Cara, tuas costas devem está doendo pra caramba, que posição ingrata. E imagino também, a maneira mais prática de realizar esta tarefa: Talvez um soprador, talvez um cabo de vassoura com um prego na ponta, talvez até um ciscador.

Assisto imóvel, pela fenda, dois garotos correndo com suas bicicletas, fico preocupado, pois já não tenho mais tanto equilíbrio para me manter estável, penso em sugerir um par de rodinhas de apoio, que bobagem essa minha, afinal para que serve rodinhas se não precisam mais de apoio.

Enquanto estou olhando pela fenda, respiro aquela fina poeira que se instalou bem no cantinho, começo a imaginar o ecossistema que se forma naquela poeira, todos os ácaros, micróbios fungos e bactérias invisíveis ao olho humano, que trajeto percorrerão pelo meu corpo.

Agora muda, sem que eu queira, o foco dos meus pensamentos e consigo até sentir os intrusos descendo pelo meu corpo como numa montanha russa cheia de obstáculos. Primeiro, subindo nas minhas narinas driblando os pelos, percorrendo freneticamente aos milhares todo o meu sistema respiratório, aonde será que vão parar? Será que vão me causar algum mal?

Subitamente não sei mais o que pensar, fico quieto, acho que chegaram ao meu cérebro e paralisaram meus pensamentos. Não, não, ainda continuo pensando.

Me afasto da fenda, aquilo estava me doendo à coluna, como a do jardineiro, pela posição que observava, que era um pouco abaixo da linha dos meus olhos. Começo a ficar tonto e perder o equilíbrio, como os garotos nas bicicletas, pois havia ficado muito tempo em uma mesma posição inclinado.

Falta-me o ar. Talvez a tontura tenha provocado esta reação, me sinto sufocado, como aquele velho ecossistema de bactérias se expandido em minhas narinas. Agora a única coisa que vejo é uma velha madeira com uma fenda que observava tudo lá fora, a fenda diminui ao passo que me afasto, cada vez menor, até restar apenas um fino ponto de luz numa velha porta de madeira.

Agora não vejo mais o mundo através da fenda, a fenda vê o mundo através de mim. Se a fenda falasse talvez me dissesse como é o mundo que vivo, como é meu próprio ecossistema.

Um grande estrondo, uma sensação que estava caindo, e a volta ao mundo real. Acordei, demorei em perceber que estava sonhando devido à tamanha realidade, talvez um pesadelo.

Me sinto muito confortável agora. Uma sensação de alívio e prazer por está de volta. Cheguei a um conceito que talvez pareça meio maluco, aprendi dormindo. O que é melhor? Um ótimo sonho e acordar se lamentando que acabou, que nada daquilo era real; Ou um pesadelo terrível, que ao acordar sentimos uma leveza tal, capaz de nos sentirmos nas nuvens.

Fiquei muito alegre e sai por aí procurando uma fenda, Talvez pudesse sentir novamente, aquela mesma sensação de bem estar que sentira pouco tempo atrás.

Inspirado num texto de Bráulio Tavares e nas viagens de Vanis Portela.

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M. C. MEIRA 16/01/2014

MAERSON MEIRA
Enviado por MAERSON MEIRA em 16/01/2014
Reeditado em 17/01/2014
Código do texto: T4652208
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