Premonição

Era um homem modesto. Preto, chapéu de palha e cigarro quebrado no beiço. Havia quem dissesse que um espírito caboclo estava nele incorporado desde sempre, todavia parecia que seu olhar compenetrado revelava apenas uma desilusão quanto ao futuro de uma humanidade que há muito estava condenada ao desespero. Chamava-se Zé!

Aliás, o nome simples combinava com a simplicidade de seus gestos corriqueiros. Era uma dessas pessoas que se gostava de graça, sem que se procurasse receber algo em troca. Vivia de modo tão despojado que só se podia mesmo gostar dele sem qualquer pretensão, pois nada tinha para compartilhar de sua vida de árida miséria. Todavia tinha uma virtude, que certamente a muitos parecia uma insólita desgraça: conseguia prever a morte. Daí seu apelido de "Zé do Agouro".

Era fatal. Bastava que um vivo recebesse um olhar consternado de Zé do Agouro para que logo fosse se despedir dos entes queridos e preparar suas últimas vontades na terra. Não demorava muito e se tornava defunto. O Zé não sabia como acontecia, apenas acontecia e no seu modo simples de ver as coisas acontecia por que tinha que acontecer. Alguns tinham medo da sua presença, enquanto outros lhe pregavam um ar de curiosidade. Bastava que o Zé estivesse às voltas na cidade para que os mais prevenidos sumissem das suas vistas tentando evitar o inevitável.

Certa manhã, em um verão tão quente que as paredes derretiam feito calda de chocolate, o Zé pousou seu olhar em uma moça de olhos tristes, que mais pareciam uma nuvem de esquecimento. A pele branca e macerada de alguns verões parecia querer explodir de alívio quando seu olhar cruzou com os olhos arregalados do Zé. Por anos a fio, ela vivera intensamente esperando pelo agouro da morte, e agora, diante da presença do Zé, parecia realizada com a final esperança. Feliz, agradeceu ao bom preto e saiu em busca do seu último suspiro, que pretendia gozar no jardim das freiras carmelitas, onde as margaridas de alguma forma lhe inspiravam paz.

Morreu na manhã seguinte, enfeitada por guirlandas de flores frescas e foi velada pelo pobre Zé do Agouro, que como uma carpideira, chorava copiosamente sobre o corpo da infeliz. Ali ficou ele, mesmo depois do sepultamento do corpo, chorando por dias a fio.

Como pertencia à turma dos curiosos que dele não tinham medo, levei-lhe uma cachaça. Colocando a mão sobre seu ombro e da forma mais gentil lhe disse:

- Zé, não se sinta culpado. Se Deus te deu essa sina, não foi maldade sua olhar para a pobre moça. Ela que não teve tempo para fugir de você.

Agradecido, o preto tomou a cachaça de um só gole, e para minha surpresa disse:

- Apenas olhei para o amor da minha vida. Ao contrário, ela morreu foi mesmo para fugir de mim!

Marco Antonio Vasquez
Enviado por Marco Antonio Vasquez em 11/12/2013
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