O VAMPIRO DA PRAÇA DO FERREIRA
O vampiro chegava sempre no final da tarde. Sentava sempre no mesmo banco, em frente ao prédio do Cine São Luiz. Fazia isso já há dezenas de anos. Ficava lá por horas a fio. Despretensioso, alheio a tudo ao seu redor, somente observava o vai e vem de pessoas. O olho exangue demorava em algumas pessoas, preferencialmente em mocinhas púberes. Esputava como um lobo.
Vestia um paletó surrado e fedido. Tal fedor era das sepulturas do cemitério São João Batista, onde era certo que pernoitava nas madrugadas de velórios. A palidez ocultava-se nas sombras. Tinha aspecto cadavérico, córneas opacas e livor mortis. Dir-se-ia que já estava morto. E era bem certo que estava.
Sentou-se certa vez ao meu lado. Desculpou-se. Viu a minha repulsa ao odor azedo que exalava. Perguntou se eu me importava se fumasse e ato contínuo acendeu um cigarro. Ensaiou um pequeno diálogo. Falou sobre o clima e como fazia tempo que não chovia. Culpou os construtores que com seus edifícios altos barravam a brisa que vinha da beira mar. A cidade estava quente era por causa disso, afirmou categoricamente.
- Antigamente essa praça era mais ventilada, logo no início. Em 1839 era apenas um campo de areia com um grande poço no centro, que funcionou até a década de vinte, quando o então prefeito Godofredo Maciel deu inicio a reforma. Era muito bonita. Hoje não, nem parece com a praça original.
Fez uma pausa ao ver passar uma bela moça. As narinas lupinas farejaram o perfume dela. O olhar opaco acompanhou-a até sumir de vista. Suspirou e maneou com a cabeça, como se reprovasse alguma coisa. Vampiros são como os cães, sentem coisas. Esquadrinham a presa. Sabem coisas ocultas. Sofrem por isso. São criaturas solitárias, depressivas, desenganadas com o mundo à sua volta. Conhecedores de mistérios e segredos sagrados. São eruditos e cultos, mas uma maldição os acompanha. Sofrem com uma dor implacável. A dor de nunca morrer.
O relógio bateu anunciando o fim de mais um dia. A praça estava ficando quase vazia. As lojas cerravam suas portas. Moradores de rua, como se fossem zumbis, maltrapilhos, se amontoavam debaixo das marquises. A noite já principiava a devorá-los.
A funesta figura se levantou e pôs a mão magra no meu ombro. Senti um peso enorme. Ele recuou e sorriu. Os olhos injetados e opacos fitaram-me. Falou-me pausadamente, ofegante, diante do meu horror:
- Acredite meu amigo. A longevidade é um mal. Feliz daquele que tem um fim e doa suas entranhas de volta para a terra.