UMA ESTRANHA HISTÓRIA

Conheci seu Aírton na década de oitenta. Era um homem humilde, autodidata, de poucas palavras. Ele trabalhava na limpeza e servia o cafezinho, entre outras coisas. Certa vez ele me contou essa estranha história:

“Há alguns anos, estava em um ônibus de volta para casa, quando ouvi alguém murmurando alguma coisa bem no meu ouvido e que eu não conseguia entender. Era um murmúrio assustador. Eu ouvia bem claro, mas as palavras não eram em Português. Parecia mais outro idioma, que com toda a certeza, não me era familiar.

Olhei em volta assustado. O ônibus estava quase vazio, pois já era tarde da noite. Pensei que fosse alguém ao meu lado, mas não era. Continuava a ouvir o murmúrio em um tom que qualquer pessoa poderia ouvir, mas ninguém parecia ter percebido. Pensei que poderia ser o motorista conversando com alguém. Não havia ninguém com ele. Podia ser alguém com um radinho de pilha e também não vi ninguém, pois havia poucas pessoas.

Apesar de o ônibus estar quase vazio e com muitas cadeiras vagas, havia um homem e uma mulher em pé. Ele de cabeça baixa. Eram pessoas de aspecto comum. Nada de estranho. Quando prestei atenção nele, imediatamente ele olhou pra mim e até pensei que ele me conhecia, pois me olhou insistentemente. Voltei a ouvir o murmúrio ininteligível outra vez e quando eu me virava em direção àquele homem, o som parava. Impressionei-me porque parecia que ninguém ouvia nada e permaneciam tranquilos em suas cadeiras, apesar de para mim, o murmúrio ser bastante alto. O homem voltou a olhar pra mim e senti náuseas, dor de cabeça, vontade de vomitar e suor frio. Pensei que ia ter um treco ali mesmo. Então o homem e a mulher me olharam assustados e de repente desceram rapidamente do ônibus, como se estivessem escondendo alguma coisa. O motorista até perguntou se eles estavam ficando doidos com aquela pressa. Mal eles desceram me senti melhor, mas senti um gosto metálico na boca, tipo aquele gosto quando a gente vai ao dentista... Olhei pra fora do ônibus e ele estava lá parado, me olhando, com os olhos assustados, como se quisesse me falar algo ou como se quisesse se afastar de mim.

Confesso que fiquei com muito medo e com receio de um dia encontrá-los novamente. Ainda hoje não imagino o que poderia ter o murmúrio que ouvi e o mal estar que senti, com aquele homem e com aquela mulher”.

Seu Aírton faleceu alguns anos depois e o filho dele me contou que durante o velório, um homem e uma mulher permaneceram em silêncio toda a noite ao lado do caixão, até o sepultamento no dia seguinte. Terminado o enterro, foram até a viúva e perguntaram-lhe se ela estava ouvindo alguma coisa, tipo um zumbido ou algo parecido. Como ela disse que não estava ouvindo nada de anormal, prestaram-lhe as condolências e foram embora em silêncio, da mesma maneira como chegaram.