Outono Folk - Parte 4

A casa de Joseph ficava a duas quadras da Praça dos Bosques e diferente do apartamento de Lary, era uma residência grande e quase que luxuosa. A sala de visitas iluminada por um majestoso lustre foi aos poucos se enchendo de jovens. Pelo que parecia, a festa de Joseph estava ganhando proporções acima das que Lary havia imaginado mais cedo: rostos que ele nunca viu antes entravam no local trazendo consigo caixas de cerveja, galões de vinho barato e fazendo barulhos desagradáveis com suas vozes e risos altos.

Sentindo-se um tanto desconfortável, Lary sentou-se em um dos sofás marrons e ficou calado, observando a festa.

- Foi burrice sua, seu Mané, ter passado a bola naquela posição! – Disse um garoto com peito estufado e uma jaqueta vermelha. Lary percebeu que o rapaz tentava manter uma expressão de dureza e que o canto esquerdo de sua boca se esforçava para segurar um sorriso debochado. – Bela sova a que o professor deu em ti.

E todos que estavam naquele grupinho riram.

Lary, fazendo um gesto negativo com a cabeça, olhou para outro lugar, vendo assim Joseph caminhando em sua direção. Ele sentou-se ao seu lado e olhou para o grupo onde cada um parecia ser uma cópia estúpida do garoto com jaqueta vermelha.

- Desculpe-me por esses caras. Eles me perguntaram se podiam vir à minha festa, e eu disse que podiam apenas se trouxessem muita bebida. Acredite, quando eles virem que a noite aqui não é para eles, irão embora sem falar qualquer palavra – disse Joseph.

- Eles só querem um pouquinho para fazer confusão. – Lary parecia desanimado.

Joseph sorriu.

- Não aqui, na casa do filho de um advogado – disse ele antes de levantar-se. – Fique aí amigo, vou lhe trazer uma bebida.

Naquele momento tocava em um volume ambiente “All My Loving” dos Beatles. Lary viu Alice com suas amigas. Todas pareciam se divertir; cada uma com um copo em uma mão e um cigarro na outra. O olhar da garota e o seu se encontraram. Alice acenou e voltou a conversar com as outras garotas.

- Gosta de cerveja? – Joseph voltou lhe oferecendo uma garrafa e segurando outra. Ele bebeu um gole e sentou-se novamente ao seu lado. – Sabe meu caro, parece que sua música e sua voz estão fazendo o coração de algumas pessoas baterem mais forte.

Lary pareceu se interessar no que havia escutado e sorriu.

- Como assim?

- Quando eu estava voltando, vi você olhando para Alice. Parece que está rolando um clima.

- Um clima? – Lary não estava querendo se expor apesar de o que Joseph havia dito fizesse sentido. – Acho que não.

- Lary, eu sei que você sabe observar as coisas. É claro que você já percebeu o jeito de como ela olha para ti. Sempre com aquele sorriso. Sempre querendo escutar mais a sua voz...

- Joseph, eu conheci ela ontem. O máximo que está acontecendo é de Alice estar sendo amigável comigo. Sabe como são as garotas, não é?

- Pense bem no que eu te disse. É você que sabe, mas se eu fosse o meu caso, aproveitaria esta noite. Agora fique animado! Vamos ficar bêbados hoje!

Joseph ficou de pé.

- Vamos Lary! – O jovem bebeu um gole de cerveja antes de dizer:

- A vida é passageira.

Enquanto os dois iam de um lado para o outro, parando de grupo em grupo para colocar a conversa em dia, Lary bebia cerveja e às vezes vinho de acordo com o que lhe era oferecido. Quando o garoto menos percebeu, já estava tonto. O efeito do álcool em seu sangue o deixou mais relaxado, despreocupado e sorridente.

Conforme o tempo ia passando, o local se tornava mais agradável. Muitos dos que estavam ali foram embora (Inclusive o valentão de jaqueta vermelha e sua turma, deixando, como Joseph havia dito, todas as bebidas que trouxeram) e a sala de visitas esvaziou-se um pouco mais, fazendo assim o ar se tornar mais leve.

- Não vai demorar muito e irão colocar um palco na Praça dos Bosques, com direito a cobertura da mídia e muito mais – disse um garoto chamado Ralph. Ele estava com seus amigos quando Joseph e Lary chegaram para conversar com eles. O garoto com sardas e cabelos castanhos cacheados estava visivelmente embriagado e bastante empolgado.

- Está sonhando muito alto, querido Ralph – Disse Joseph. – Do jeito que as coisas estão já está de bom tamanho. O que acha Lary?

- Acho que esta época de outono é perfeita para expressar a arte dentro de cada um. As pessoas, qualquer um que seja, podendo fazer suas canções e mostrar para quem querer ouvir é o que torna esta estação tão perfeita. Joseph tem razão, talvez muita exposição da mídia pode fazer com que as coisas percam o encanto.

Ralph ficou pensativo.

- É... talvez. O que importa é que todos que gostam de uma boa música não vêem a hora, todos os dias, que o fim de tarde chegue. Sabe, estou aprendendo a tocar violão. Vi todos cantando e tocando e fiquei bastante inspirado.

Os garotos conversaram um pouco mais antes de Lary e Joseph chegarem ao grupo de Alice e suas amigas.

- Amei sua música! – Disse Liza a Lary. A garota era loira, baixinha e usava óculos estilo Buddy Holly. – Sua voz é linda e você é muito talentoso! – Liza aproximou-se mais de Lary. – Será que você pode me ensinar a cantar?

- Liza, você está deixando-o sem jeito – disse Alice.

Liza pareceu ficar um pouco envergonhada e olhou para o chão.

- Bela festa, Joseph – disse Alice que, apesar de estar segurando um copo com vinho, parecia inteiramente sóbria, ao contrário de Lary que no caminho de ida do grupo de Ralph para o de Alice, bebeu quase que meia garrafa de cerveja.

- Espero que continue assim – disse Joseph.

A música “Always On My Mind” na voz de Elvis Presley começou a soar com toda a sua beleza na sala de visitas. Quase que de imediato vários casais se formaram e começaram a dançar ao ritmo da canção. Joseph lançou um olhar significativo para Lary e fez um movimento com a cabeça em direção a Alice.

É apenas uma dança, pensou Lary. O garoto, decidido, estendeu a mão para Alice.

- Poderia dançar comigo? – Perguntou ele.

Alice não hesitou, estendeu a mão e deixou Lary levá-la em direção ao centro do cômodo onde os casais dançantes se concentravam. A garota colocou os dois braços por cima do ombro de Lary e ele segurou a cintura dela com delicadeza. O garoto pôde sentir o cheiro suave de rosas que ela exalava.

“Litlle thing I should have said and done…”

Lary apenas deixou-se levar no embalo da música e isso o fez com que, inconscientemente, encostasse sua testa na testa de Alice. A garota pareceu não se importar, pois ela não teve reação alguma. Poucos centímetros separavam os lábios de cada um e isso fez com o garoto tomasse uma decisão.

“... se eu fosse você, aproveitaria esta noite...”. A voz de Joseph se propagou em sua mente.

- O que você está tentando fazer?! – Vociferou Alice logo depois que ela afastou-se de Lary e de sua tentativa de beijá-la.

- Alice... – Lary não sabia o que fazer. Alguns casais que estavam dançando começaram a olhar para ele e para a face raivosa da garota.

Alice deu as costas e o deixou sozinho – uma figura franzina e solitária em meio a casais que suspiravam ao romantismo que estava sendo proporcionado por um momento que apenas o outono podia lhes oferecer.

“Tell me that your sweet love hasn’t died...”

Para Lary, aquela noite fria havia chegado ao fim.