RUMOS
 
Parece que das três, você é a única que não naufragou. É estranho dizer isto. Lembra-te quando o barco virou? Quantos anos tínhamos mesmo?  A sorte foi a sua voz estridente.

Com os gritos, correram a tempo de nos socorrer. E a surra? De todas as que levei, pareceu-me a mais doída. Tudo por que Nininho me viu naquela situação. Onde andará? Alguma vez tiveste notícias dele? Podes achar piegas, mas gostaria de encontrá-lo. Tantas coisas deixei de dizer a ele. Se tivesse tido coragem, talvez mudasse o rumo da minha vida. Agora é tarde.

Ana teve uma história de conflitos. Parece que deu tudo errado. Um filho enveredou para as drogas, outro para o crime, o marido alcoólatra, as brigas e o acidente que encerrou a vida dos dois.

Hoje, compreendo que não deveria ter lastimado o destino dela nem chorado.

Sei que não irás entender como posso ser fria, distante, analisando o passado num momento deste. Não quero que me compreendas, nem que me perdoe. Não mereço. Ao mesmo tempo em que tinha um carinho especial por ti, a inveja me corroía. Somente agora tenho isto bem presente.

Roberto foi o responsável por este sentimento. Destruiu minha vida e nossa amizade. Ele, mais do que ninguém, foi o culpado. Teve o que mereceu.

Quando iniciou? Se digo que não sei, não
minto. Mas pegou fogo na festa do teu aniversário. Lembra-te que caí na piscina? Ele me recolheu. Vocês riram, divertindo-se às minhas custas. Fiquei com raiva.


Ademar foi quem mais se divertiu. No momento, não pensei em traí-los. Verdade. Pensei numa forma de me vingar pela humilhação, mas não encontrei nada.

Somente depois que Roberto foi me encaminhando para o quarto, ajudou a me desvencilhar das roupas molhadas, alcançou um vestido teu para eu vestir e ficou me olhando com um sorriso meigo, é que me passou a ideia louca. E enquanto você e Ademar gargalhavam e bebiam, tivemos o primeiro momento de amor, na sua cama. Na sua cama.


Para com isto. Não chora. Não vale à pena, garanto. Não quero que me perdoe, volto a dizer. Também és culpada.

A partir de então, não nos deixamos mais. Ficas surpresa? Às vezes, quando me olhavas como se quisesse penetrar nos meus pensamentos, tinha certeza de que desconfiava. Aí, me desmanchava em carinhos e cuidados, jurando amizade eterna. Via a sombra se dissipando no teu olhar. Por dentro, eu ria. Idiota, tinha vontade de gritar.

Idiota fui eu. Ele começou a me tirar dinheiro. Fazia ameaças de contar pra meu marido. Não queria, por causa das crianças. Acho que era isto. Talvez não quisesse me desfazer do amor louco.

Nossos filhos crescendo juntos, amigos. Nunca poderias imaginar.

Lembra-te como queríamos que Pedro Henrique casasse com Ana Rita? Das vezes em que Roberto abraçava minha filha, chamando-a de norinha? Lembra-te? Não era possível desconfiar, não é mesmo?

É horrível! Nem sei como tenho coragem de continuar. Mas é preciso que saibas. Devo isto, pela nossa amizade.

Saí para viajar. O voo cancelado. Voltei para casa. Quando abri a porta do quarto, Roberto e Ana Rita, na minha cama.

O revólver, os tiros, o fim. Não chore. Ele não prestava.

E ainda tenho uma bala. 



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 02/11/2013
Reeditado em 04/11/2013
Código do texto: T4553417
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