A casa de Zazá
Zazá namorava o nada. Por trás do olhar vazio e do sorriso brando, havia passagens que desejava reviver com a mesma intensidade de outrora. E pensava: “menina arteira tem de levar palmada”. Como sofria a coitada!
Dali brotava um choro contido pela necessidade de continuar caminhando, pois sabia que o tempo não a esperaria terminar de estar com suas memórias para passar e a castigaria se insistisse em permanecer lá, e não ali.
Então, pela certeza que teve de que sua única aliada era a própria companhia, decidiu deixar pra lá e sair dali. Mas, desta vez, foi diferente: sabia que era ela, E-LA, o seu lar, e o melhor lugar para estar!
Zazá encontrou, assim, a famosa, tão buscada fora, Felicidade e sentiu uma alegria incomum, perspicaz: nada que pudesse acabar de tanto gastar; nada tão pleno que já tivesse conseguido experimentar. Foi algo singular, sublime demais para falar e perene demais para acabar. Sem par.
Naquela estação, partir foi a decisão mais sábia de sua vida. De tão especial, decidiu documentar o momento, com fotos e letras, para a posteridade contemplar e aos mais queridos certificar de que há, sim, um lugar que vale muito a pena conhecer para sempre estar.
Abandonou apartamento, amigos, família, paixões e tudo o mais que pudesse travá-la. Isso faz um bom tempo...
Alguns dizem que, hoje, está louca para sair da morada; outros, que não dá as caras na janela há séculos, pois tem mais o que fazer. Já a maioria afirma que estar com ela é tão bom que nem dá vontade de voltar para os apartamentos. Estes não querem trabalhar; não sabem o esforço que aquela menina levada teve de fazer pra conseguir morada boa, e defendem:
- Vamos pra casa de Zazá, que é ampla! Se cabe todo mundo lá, para que recuar?
Paredes riscadas, lençóis furados, chão arranhado, panelas velhas, pele enrugada... A casa de Zazá virou casa de avó, onde tudo tem um mundo de história para contar. Agora, ela precisa, de qualquer jeito, fazer o tempo virar aliado, pois a vida encolheu e precisa parar de querer terminar.
Enfim, foi autorizada a estar bem à vontade com suas memórias - mas não para se deliciar, pois agora é que não dá mesmo pra voltar, e, sim, para passá-las aos netos que a Felicidade se encarregou de lhe dar (sem precisar pedir ou implorar!).