Humor e o Morato
Duas vezes fora prefeito o Morato, mas não tinha como dar jeito naquele mato. Quanto mais se esforçava e mexia, menos a cidade crescia.
Pra compensar as horas vagas, e mal pagas, dava suas aulas de história, falando à meninada daquele passado de glória, e um pouco de sua contribuição que, sem ter sido ao menos acólito ou sacristão, ainda menino, ajudara a salvar imagens do incêndio da matriz, além de uma sobrepeliz - o que deixou o vigário, ainda que desconsolado, um pouco menos infeliz.
Falava também nos índios que outrora habitaram a terra, os nhambiquaras, gente de longas varas, prontos pra guerra mas sem poder de fogo contra a cobiça dos bandeirantes que tudo arrasavam em suas aventuras errantes.
Entretanto, outro aspecto mais memorável do Morato era sua habilidade de prestidigitação,
ou simplesmente ler mão e revelar o futuro ao concidadão, ainda que não o fizesse pra ganhar eleição, garantia, com aquele seu vozeirão de baixo de ópera, e de cima da razão.
Num dia que não era belo nem feio, eis que lhe veio um fazendeiro da vizinhança e enquanto outra pessoa o Morato atendia, foi logo anunciado que sua mulher tava pra ter criança e que o que ali queria era saber se guri ou guria. Sem tirar os olhos do papel onde fazia anotações pra o outro consulente, respondeu o Morato imediatamente: vai pra casa meu bom amigo, que menino há de ser.
E passados alguns meses eis que volta o fazendeiro, pai verdadeiro, com a filha ao colo, ao invés do herdeiro e diz pro bom Morato:
Dessa vez você errou, veio menina, e bem catita.
- Ah, meu amigo, o erro é seu, pode ver meu caderno e confirmar a minha escrita!