Confessor e Punidor

Confessor e Punidor

Ele saiu tropego vindo da sacristia , seus pés não respondiam ao seu intento, parecia tomado por tremores e temores, de sua boca escorria uma saliva grossa, o peito arfava buscando um último resquício de ar, em sua mente visões de demônios que só conhecera em citações bíblicas e outros tomos apócrifos. Nada poderia salva-lo do que estava consumindo, sua visita ali fora apenas a última esperança de remissão de seus erros e principalmente do seu pecado maior, cometido naquela mesma tarde, mas sua vida devotada ao caminho correto acabara de ser arrancada a força junto com seu sangue, Mas sua surpresa maior era a identidade de seu punidor, a pessoa de quem ele havia recebido seus segredos, naquele instante revelava seu último e derradeiro relato, acompanhado de toda dor sentida por ele quando sentiu o silvo perene em seu pescoço e depois a dormência doce do sono milenar. Porém para ele não haveria salvação, aquilo era um julgamento, sua visão ficaria turva, sua pela não sentiria o toque, a fragrância que sentia naquele instante era salgada, mas não como a maresia que tanto gostava, sua voz deixou uma monossilaba em um cubículo há alguns metros atrás.

A visão de seu pecado retornara naquele instante, um momento de fúria, um lampejo de ódio, cegueira seguida de ação desmedida e depois a simples sensação de um peso em seus braços, o resultado do acumulo de anos de possessivos, de olhos ciumentos, de desconfiança incutida. Tudo terminava com o objeto de seu desejo e destino de suas caricias pressionado entre suas mãos, com a pele que tanto roçara ternamente descamando em seus dedos. A mão punidora era visível, sua esperança repousava em seu sagrado pupilo. Largou o ato infame em seu leito e fugiu para cruzar as portas redenção. O relato foi breve, a atenção recebida foi uma dádiva, mas a penitência inesperada. Após ser recitado em seu ouvido a ladainha de perdão o que faltaria apenas era o ato punidor, uma mão passou a segurar seu queixo, a outra seu peito, enquanto um rosnado se aproximava e arrancava nacos de sua garganta.

A constatação de que estava morrendo não o surpreendia mais do que a visão animalesca e profana do sacerdote que ajudara a ordenar, talvez seu maior castigo seja estar morrendo sem ao menos imaginar quem poderia ter corrompido seu filho.

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Eder Bovelo
Enviado por Eder Bovelo em 17/04/2007
Reeditado em 29/04/2009
Código do texto: T453626