UM HOMEM DE SORTE
Conto-vos a história de Juvenal, um rapaz de uma mediocridade de tal porte, que vivia às tontas em busca da fortuna fácil, envolvido até a medula em jogos de azar, jogando, bebendo e principalmente fornicando em orgias infernais. Tais orgias à parte, nos jogos de azar, no entanto, esse Juvenal nunca ganhava nada, apesar de gastar o que podia e o que não podia em apostas e que, invariavelmente, perdia tudo.
Sonhando sempre em ficar rico da noite para o dia, buscava as mais diversas e extravagantes mandingas e simpatias que lhe possibilitassem ganhar dinheiro sem muito esforço. Enveredava em todo tipo de rituais, cabalas e pactos em busca da riqueza e da fortuna. Nessa busca febril, conheceu uma cigana benzedeira que lhe apresentou os números da sorte e o aconselhou a jogar em tais números todo dia, durante um ano e que, com toda a certeza, tiraria a sorte grande, tendo apenas que se abster de álcool e de sexo. E para que o feitiço tivesse êxito era imprescindível fazer todas as sextas-feiras oferenda para os deuses da fortuna. Muito a contragosto, Juvenal fez o pacto com a mulher, recebendo os passes e fechando o corpo ao azar.
Juvenal a princípio seguiu à risca as recomendações, mas os meses se passavam e nada dele ganhar um centavo sequer. Mesmo assim, acreditando que a sorte iria mudar, continuava a apostar, deixando de beber e de fornicar, para o espanto geral. Mas como a mediocridade nada enxerga além de seus confins, decepcionado, voltou a beber e a saciar-se em orgias, embora ao mesmo tempo continuasse a jogar nos números da sorte, talvez só para descarrego de consciência, mas ao cabo de alguns meses, amaldiçoando os deuses da fortuna e a cigana, definitivamente abandonou o pacto e voltou-se à roda dos escarnecedores.
Como a desgraça requer um coração forte, no final do ano veio o anúncio de que os fatídicos números tinham sido premiados, como a mulher prometera. Ao saber da infeliz e calamitosa notícia, o pavor invadiu a pobre alma de Juvenal e ele quase que desfaleceu. Uma angústia terrível tomou-lhe o ser e como uma fome voraz, o amargor da derrota lhe embrulhou o estômago e ali mesmo começou a vomitar e a chorar copiosamente. Adoeceu de tal forma que sequer dormia, comia ou bebia. Febril, corroído pelo arrependimento e pelo monstruoso remorso, amaldiçoando a si mesmo pela fortuna perdida, surrava-se dia e noite, sem cessar. Encarcerado pela loucura e visivelmente transtornado pela ganância, sumiu no meio do mundo, miseravelmente abandonado por todos. É certo que Juvenal, nunca mais recuperou a saúde e há quem diga ainda que ele também nunca mais ousou pegar em dinheiro, abominando até mesmo falar sobre o assunto.
Para os medíocres, nada mais cômodo do que acreditar na sorte. Mas é certo que existem coisas superiores e ocultas que contradizem isso e não é bom para o homem escarnecer de tais coisas.