O Despertar

Sinto-me estranho, perdido e desolado, caindo num abismo sem fundo, sentindo o odor pútrido dos defuntos, como se eu já estivesse morto antes mesmo de chegar ao meu calvário. Noite estranha esta, permeada por uma quietude que emana de todos os lados, e o mais estranho foi perceber minha mente inconsolável sendo tragada pela paz desconhecida que me apossara. A angustia insistia em lutar contra aquela sensação estranha que me dominava paulatinamente; foi quando vi, pela primeira vez minha consciência, exorcizando os demônios da melancolia, e mergulhando-me no sossego daquela escuridão perene.

Logo já não havia dores, a tranquilidade reinou por todo meu ser; eu quis correr, gritar ao mundo que minha paz eu havia encontrado, mas senti pesar as pernas e um formigamento correr pelo corpo, dificultando minha respiração. Eu arfava lentamente, parecia sentir cada molécula de meu corpo recebendo os componentes químicos do ar. Um sentido de transcendência ocupava minha mente, era como conversar com o silêncio do universo, semelhante a sensação de quando compomos uma arte cosmológica em filosofias e versos, e que nos levam a devaneios sobre o cósmico segredo. Só havia escuridão, misturada a sensação estranha de paz que crescia a cada segundo, enquanto isso eu assistia minha percepção de mundo, acompanhada de reminiscências, sendo levadas por um fluxo vibracional que parecia vazar para fora de minha cabeça.

Senti-me próximo aos conhecimentos daquilo que Buda sempre dizia, da paz transcendental do Nirvana, pois me sentia em meditação profunda, meus batimentos cardíacos iam diminuindo, e a cada leve respiração, eu sentia o coração bater em sincronia com o ritmo da vida. Uma auto-alienação apossou-se de meu cérebro, e não pude processar, através da dialética da razão, aquele acontecimento único que, sem pedir licença, invadia minha vida. Meu corpo paralisou-se, e como quem submerge das profundezas de um lago, sedente pelo ar, eu senti minha consciência submergindo de mim mesmo para respirar um ar que jamais sentiu na vida. Meus olhos foram se fechando lentamente, e na escuridão dos olhos fechados, eu vi lembranças e sonhos sendo reorganizados numa perfeita ordem que vinha desde meu nascimento. Revivi cada lembrança, sonhei novamente os sonhos de outrora, então fui possuído por um tremendo senso de sabedoria, que parecia a iminência de todo saber humano, como se eu tivesse total controle sobre o mundo e conhecimento sobre o universo.

Percebi que os sons das batidas de meu coração foram ficando mais alto, até tornar-se universal, como se fosse o próprio universo estivesse sacudindo e dando os movimentos que a vida necessita. Meu ser pulsava perfeitamente junto a química da vida, e dançava a valsa cosmológica dos astros numa singularidade harmoniosa que entoava a mais delas das canções. De minha vida eu já não lembrava, nem mesmo conseguia entender o porquê daquela visão profunda e reveladora sobre os maiores mistérios da vida. Mergulhado no negrume desconhecido, envolto pela sensação de ser a própria vida em si, escutei lamúrias abafadas que pareciam vir de longe. Choros e clamores pareciam estar sendo direcionados a mim. Logo em seguida eu me sentia sendo diluído em meio ao nada, e se pudesse sorrir, teria ostento o mais belo dos sorrisos, pois tamanha foi minha alegria ao sentir como uma luz no fim do túnel, aquela que sempre esperei em vida... era a morte vindo me buscar.

Nishi Joichiro
Enviado por Nishi Joichiro em 13/09/2013
Reeditado em 13/09/2013
Código do texto: T4479471
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