Lilith e o Louco do Tarô ( Baseado em Fatos Verídicos)

Introdução
Este conto mais parecerá uma crônica paradoxal e singular cujo nem mesmo os seres envolvidos na trama poderão entender uma só linha, mas ainda sim escrevo, uma vez mais escrevo no afã de que se não o cérebro animal compreenda, mas possam os espíritos entender.
Nascemos de um sonho catastrófico, o sonho do Criador, e desde então, sendo pedra, aço, estrela, alma e carne, tentamos nos remontar, voltar seja lá de onde tenhamos partido. E por sermos fragmentos de um sonho de perfeição, somos perfeitos e perfeccionista, e em nossa vaidade mergulhamos em mundos que não podem e não devem ser conquistados, isso porque não nos pertencem.
Com que direito entramos na casa de nosso vizinho e sem sua permissão nos fazemos senhor de sua propriedade e a modelamos, arrumamos, restauramos e decoramos?
E o dono, o verdadeiro senhor da propriedade, onde será que se encontra? E quando chegar e ver sua casa que antes em desordem agora mostra arrumação e limpeza, será que ficará contente?
Talvez fique ali dentro sem ter o que fazer, sem entender, talvez não reconheça seu próprio lar e o abandone, e o que antes pareceu benfeitoria tornou-se crime, pois o dono, o verdadeiro senhor da propriedade vagará sem léu, vazio, um corpo sem alma, e uma alma sem sentido no sentido que busca em suas andanças, isso tudo porque foi invadido!
E toda a arrumação um dia será tomada novamente de poeira e teias e assim...Aquele que limpa sem querer é o mesmo que suja!


 
Lilith plantou flores e ganhou flores, segredo sempre bem guardado, pois o que pensariam os homens do templo de sua devoção ao saberem que tais flores e sementes vieram de Vênus?
Mas bendita seja ela, pois quem precisa saber? Protegida é pelas palavras de um Judeu, um homem cuja sabedoria inspira a humanidade, cuja sombra da cruz onde injustamente morreu protege o mundo ainda hoje; este homem disse que não deveria a mão esquerda saber do que faz a direita, que não se alardeasse as benfeitorias.
E então assim dormia Lilith, embalada por Morfeu concebia um sonho curioso...


Não muito longe alguém espreitava sonhos antigos, fazia comparações, cérebro em brasa enquanto o coração estava duro e frio como o gelo. Assombrosa matemática que não encaixava; as estrelas, seu mapa astral, seu signo não sucumbia ao frio em seu peito e palpitava calor e revolta, saudade e medo de se ver solitário, pois este alguém, pode-se dizer, era o sol... Uma carta de seu tarot invertida, e veio a morte sorrateira e amiga e lhe fez dois, o eremita solitário e o louco...”Quem jogou as cartas na mesa e vendou meus olhos de adivinhação?”
O Louco do Tarot não dormia, mas Lilith sonhava e o louco sempre resvalou nos sonhos de todos que caíram da torre que se despedaçou. O Louco escolhia a loucura, e saudoso era do tempo em que as estrelas eram falastronas e brilhantes, ele estava morto de saudade de Deus!
Passada tão estranha noite, Lilith e o Louco encontraram-se:


- Bom dia!

- Nossa! Ontem chorei muito e pensei em muitas coisas...

-E eu pensando que estavas com problemas para respirar...


Será que Lilith sentira as tormentas da noite passada do Louco?

-Não sei dizer cara amiga, lembrei-me das diversidades do passado... Diversidades vencidas, mas... Mas ao mesmo instante pensei nas tantas coisas que se perderam...
Penso em todo ouro que se passa despercebido no processamento da terra, quilos talvez, resvalando com o cascalho, pois o brilho das poucas gramas seduz o homem.
Lembro-me dos momentos de isolamento, da miséria material tão pior quanto a de hoje e das vozes em turbilhão na minha cabeça, neste tempo, mesmo com toda esta tragédia eu compreendia as coisas, mesmo que não soubesse explicar, eu compreendia...


Em sua ânsia de falar, de livrar-se de suas conturbações o Louco não percebeu que não era ouvido, pois Lilith distraiu-se enquanto envernizava uma cadeira velha, um ato totalmente simbólico, pois é o que nós homens sempre fazemos, remendos de seda em panos velhos.
Mas Lilith voltou sua atenção para a conversa e buscou nos arquivos do tempo o que havia dito o Louco. Mesmo assim ele continuou e Lilith agora prestava atenção.


-Havia uma voz que falava comigo, e hoje esta voz calou-se, é como o ouro que se perde no cascalho descartado de um garimpo, não a ouço mais e tenho buscado por ela em vão!
Esta voz calava todas as outras vozes, silenciava o mundo e fazia das estrelas tinta e escrevia para mim com elas...Frases e poemas. escritos de estrelas. Não existia livros, nem maneiras, dogmas ou doutrinas, eu não tinha de prestar contas nem mesmo para esta voz...Então senti saudade de saber sem ser preciso que me contassem, saber sem precisar ver...


Um pouco assustada Lilith tenta compreender o Louco
e pergunta com contido desespero...


- Quem era ou o que era esta voz?

Sem pensar e triste, o Louco respondeu...

-Era Deus, Lilith, era Deus!
Sim Ele é tudo o que dizem que Ele é...Mas eu pergunto, creio que em vão, que dor era aquela que somente passava com o seu sopro salutar, que dor era aquela que nenhum remédio dos que tomei foi capaz de curar, que dor é esta?
Dor que ainda me visita...
Ele nunca se importou se eu subia em meu telhado para lhe adorar, ou para lhe apontar falhas, e quantas vezes zombei de sua soberania, ele nunca se importou se eu rosnava e chorava sem motivos aparentes ou se sorria, Ele simplesmente era o meu único instante de paz!
Vivemos o tempo ao qual fomos alertados, Jesus disse sobre coisas que nos enganariam, que nos contaminariam e que roubaria do caminho certo até os escolhidos... Em quê devemos crer?


Pensativa Lilith ouvi esperando a melhor hora para dizer algo, pois compadecia-se da dor do Louco.
Depois de respirar profundamente ele diz:


-Amiga, sempre há um efeito colateral, um remédio sempre trás outros males enquanto sana os mais graves, a quimioterapia, por exemplo, mata o câncer e o doente ao mesmo tempo, o mais forte resiste...
E o efeito colateral dos remédios que tomei foi a ponte que me levava até Deus, ela foi desfeita, destruída...

-Tento te entender, alma que escolhe a loucura, juro que tento.
Mas pense, quanto maior o efeito colateral melhor será o efeito primário...

- Nem eu e nem o Eremita pode passar mais por esta ponte, Lilith, não podemos!

-Oras, reconstrua!

Depois de um sorriso irônico o Louco responde:

-Não posso cara amiga...
Uma vez feito, feito está...

- Pode e deve, e esta ponte depois de reconstruída será indestrutível!
Retire do pó o ouro descartado e toda sorte de diamantes
que sobraram e mostre para aqueles que pensam que a mina se esgotou...
Quem sabe, creio eu, o alquimista se revelará e trará consigo a pedra filosofal!

- No dia certo Lilith, no dia certo. Por hora tenho de aprender a conviver, a viver e a sobreviver do que ficou do processamento desta terra...Aceitar que sou barro em nação de muitos oleiros e metal na mão de muitos ferreiros, não tenho poder de escolher, não agora.
Eu avaliei os ganhos e as perdas e reconheço a paz que deitou como manto protetor sob muitos, reconheço o vírus que colocamos em contenção quando nos oferecemos para extermina-lo.


Lilith parecia agora em orbita como se estivesse em outro mundo, e estavam sem sombra de duvida.

-Lilith Somos sobras de nós mesmos e as vezes, tanto e tanto queremos o topo da montanha, o pico da águia, ansiamos tanto e com tanta voracidade que nos tornamos o nosso próprio desejo.
Nos arranhamos e nos ferimos, escorregamos, caímos, desistimos e novamente somos tomados pela coragem e voltamos a subir e subir, chega determinado ponto que já não há montanha e homem, ambos tornam-se "um"... E o que passa a existir é o ato, o desejo e a missão.
quem tudo assiste de fora não compreende esta fusão, assim como homem e montanha também não e é ai que mora o perigo.
A parte mais fraca sofre, a parte mais fraca vive na carne, é o homem ou o barro na mão do oleiro, o ferro sendo fundido no forno do ferreiro; e a montanha é alma... Isso é complicado, daria uma boa poesia, daquelas que só eu posso saber o que quer dizer, mas que todos dizem que compreende.


Lilith agora estava pasma, tentava reorganizar seus pensamentos pois vinha a sua memoria o sonho da noite passada. Ainda mantendo a esperança em suas falas ela se contrapõe ao Louco...

-Não, não é complicado... Pois o sonho da montanha é tornar-se pó, retornar ao barro e ao ferro para que possa ser manuseado pelo "homem" e deixar de ser imóvel....
aí está o grande paradigma... Porque então se a montanha for montanha... Ela é apenas imóvel e contemplativa... Quando se transforma em pó ou ferro ela se torna agente ativo. Hora queremos ser montanha... Hora necessitamos ser barro...


Triste o Louco responde:

-Amiga minha, e este agente ativo...Sendo barro na mão de oleiros diversos, dando à ele formas que melhor lhes convir, e o ferro, sendo caixa, sendo espada; chaves e cadeado, correntes e barras de prisão...Este vaso precisa ser espatifado ser poeira soprada pelo vento, seguir sem rumo...O ferro uma espada sem fio presa no coração de uma múmia qualquer esfarelando-se no tempo...

-Não- contrapõe Lilith- isso é a morte de Deus, o Agente ativo é o Deus ação!

-Querida amiga, não falo deste oleiro/ferreiro...

-Mas ele é o verdadeiro oleiro e ferreiro...


Com olhos sonhadores o Louco responde:

-Sim...É Ele quem pega o pó nos ventos e recolhe espadas abandonadas em corações alheios...
mas bem sabes tu que ele é o melhor oleiro e o melhor ferreiro, mas não é o único...

- Sim, E por ser melhor, sua olaria é perfeita e sua forja incomparável!
Por isso Ele é o único que importa!

-Não é Paradoxal, Pois Ele vive no tudo e o tudo vive Nele...Então os oleiros secundários também são Ele...

-Concordo, mas nunca o aprendiz será como o mestre...

- Pois é cara Lilith por isso o que estes oleiros e ferreiros fazem são desordem apenas!
Criam monstros pensando fazer grandes armas ou objetos de decoração... Mas o Grande Oleiro, Aquele que foi , é e será, fez o mundo redondo para não haver cantos que sirvam de esconderijos!


Lilith já não dominava as palavras e discorria aquele assunto tão oportuno.

-Sim, Pois lhes faltam senso e amor e isso os torna um tanto megalomaníacos querendo que suas obras sejam melhores e maiores que a dos outros...

O Louco interrompe...

-São pessoas moldando pessoas, agora me responda amiga...
Falas como barro que passa pelas mãos de oleiros diversos, como vaso que passou por tantos moldes, como oleiro e vice e versa, como ferro ou ferreiro, ou como quem precisa de um vaso para ornar a sala de estar, ou uma espada para guerra?

-Falo no geral, Louco, não me vejo em condição de me classificar em nenhum destes teus exemplos...


Triste o Louco geme...

-Então não pode entender...Pois está longe, um vaso na prateleira empoeirada, quem sabe uma espada na bainha que nunca foi usada...

Orgulhosa e um tanto atiçada em sua vaidade Lilith não se cala...

-Claro que não posso entender-te, afinal estou abaixo da megalomania que faz ser o que sou...

Ainda pesaroso o Louco interrompe...

-Isso não é humildade...

Agora lilith em todo seu rompante de orgulho responde de forma sarcástica...

-Não, nunca disse que sou humilde... Estou tentando lhe entender...Mas está tão acima de tudo e de todos nas suas colocações que nem mesmo o DEUS verdadeiro o entenderia...

Em um sobressalto o sentimento parece fugir do Louco e como um médico indiferente a dor de seu paciente, fala do que vai a sua alma sem piedade de usar seu bisturi em si mesmo e em quem estiver ao seu alcance...Lilith...

-Megalomania não é a palavra correta creio eu...
É carência...
O Homem é carente de outro homem se sacrificando em um madeiro por ele...
Teme que não haja amigos no além lhe velando o sono e os passos...
O homem teme que não exista respostas para as perguntas que se quer são capazes de formular e aí surgem deuses que guardam todas as respostas que um dia serão entregues, mas para isso o homem deve seguir uma doutrina, e toda doutrina quer ser a certa!
Sim... Deste tu formas altaneiras para minhas falas, foi sutil e eu compreendi...
Isso me faz crer que é um vaso em uma prateleira empoeirada e espera ser comprada...
Boa sorte amiga, e que sirvas de sustento para belas flores que serão ornamento do altar de alguma igreja, quem sabe no palanque de tua doutrina.


Neste exato momento o Louco contempla a face ruborizada de Lilith e um sorriso dança no canto de seus lábios...

Atacada e um tanto melindrosa Lilith não coloca fim a tão estranha palestra...

- Sabe muito bem que não sou um vaso em uma prateleira... Tu que está se colocando desta forma... Porque se realmente quisesse compreender saberia que a montanha somente é completa por cada grão da areia que a compõe e de cada átomo do mineral que é formada...
só estou lhe mostrando que somos pó, somos átomos...
Que somos montanhas...
Que somos oleiros e ferreiros...
E não devemos em momento algum desistir...
Claudicar não é nossa função...
E tu estás claudicando... Engraçado essa história de montanha...
Relembrou-me o meu sonho
e também uma jornada que estou descrevendo...


-Se vê cara Lilith que bem compreendeu a questão da montanha, como qualquer vaso entenderia...mas me diga...O que acredita que estou claudicando?


Ainda melindrosa ela responde murmurando triste

-“In la verita” não creio que te importe o que eu pense, pois já fizeste tua escolha... E nada e nem ninguém em todo o universo o demoveria de sua escolha... Então por mais que eu fale ou te mostre...Já deixaste claro a ideia que tens de mim, que sou um vaso e nada mais, um vaso que não pode compreender...

Irritado o Louco mostra sanidade...

-Eu nunca escolhi nada sempre fui moldado a gosto e nunca intervir, então ao que estou claudicando?
E não falo de ti, pois o mundo é maior que tua existência, e mau algum há em ser vaso... Mas tu aceita as forma que te deram e eu não aceito as minhas formas, mesmo que tenha me permitido a isso! E se a citei é por ser o exemplo mais próximo de que disponho agora...

-Não citou-me, foste incisivo...Disse até que ficaria bela no altar de uma igreja....

-E isto é ruim Lilith?
Não aceitas tua forma e tua compreensão sobre homens e montanhas?


Parecendo desistir Lilith o interrompe...

-Olhe, o Vaso aqui não entende o que a Olaria ai quer dizer...E o que o vaso aqui disser é meramente quimera

-Cara Lilith, não sou Oleiro, sou um vaso como tu...E estás certa...

-Será, Meu amigo Louco???

-Sim, e o que eu claudico para o mundo é a mais demente quimera!

-Então se és um vaso como eu sou, está entrando bem de fato e fazendo aquele que acredita ser oleiro e não vaso entrar no calor do forno e das forjas... Claudique para que ele não se negue a fazê-lo...E eu não aceito tão bem assim a forma que me deram, acredito que a maioria destas formas foram dadas por mim mesma...


O Louco deixa escapar uma gargalhada...

-“hahahahahahaha”- Falamos da mesma coisa?


-Estou falando de quem te moldou e remontou e não aceita ela mesma ser barro nas mãos do oleiro... E por isso tenta acrescentar em todos pedaços que não lhes pertencem!


Pensativo o Louco interessou-se no sonho da amiga pensando em interpreta-lo...

-disseste bem... Mas um Oleiro assim... Quanta porcelana não foi revestida de argila?
E quantos vasos de barro simples não foram banhados de ouro?
Não seria o caso de quebrar todos os vasos?
Ah! Fale-me de teu sonho!


Lilith com um leve sorriso responde...

-Não... Creio que não... E não entendo que tenha de aceitar o que não é teu, já que é claro que o Oleiro está manipulando o barro...
E quanto ao meu sonho...Bom....
No meu sonho estávamos em um automóvel subindo uma montanha que tocava as nuvens mais altas...quando chegávamos ao topo que acreditávamos que era nosso destino, percebíamos que tínhamos que descer por uma via enlameada novamente para o sopé da montanha e que para tal teríamos que nos sujar com o barro, pois isso nos faria os senhores da montanha... E para descer... Não teríamos o automóvel...


Desta vez o Louco sorriu de maneira soturna, seus olhos brilharam estranhamente...

-Veja que teu sonho responde o que não entende sobre minhas aceitações e que mesmo antes que me contasse sobre ele, eu já lhe dei a interpretação!

-Complexo...És mesmo Louco!


Os dois se olharam, houve silêncio que foi quebrado por uma observação do Louco depois de um grande suspiro...

-Precisa chover em São Paulo, não acha?
 



 
Noah Aaron Thoreserc
Enviado por Noah Aaron Thoreserc em 13/09/2013
Reeditado em 13/09/2013
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