Olhos da alma
Ela dizia que os cupins devoravam as molduras dos quadros na parede e que ia nascendo à cada instante que respirava. Fazia todas as tarefas da casa. Gostava da cama com cheiro de alfazema e ficava horas, deslizando suas delicadas mãos pelos lençóis, até tudo parecer passado à ferro. Acendia o fogão à lenha e delirava, quando, com 'um fósforo', acendia gravetos, era benção. Ia ao pomar e colhia cheiros e os colocava na panela conforme seu olfato pedia...A casa tinha perfume de flor e incenso. Não esbarrava em nada, tudo e todos, seus passos conhecia. Seus movimentos eram suaves. Dava comida aos porcos, tirava leite da vaca prenha e me contou, certa vez, que ajudou a fazer muitos partos em animais...Se inspirava para não terminar desmoldurada. Escrevia em seu diário, pelo avesso. Era cega. Queria perpetuar os seus instantes... Contemplativa, ficava horas à fio na janela, imaginando e olhando girassóis, apesar da cegueira de nascença, (ela os via!)... Fazia perguntas aos sóis, todos os dias...O que existia além dos olhos dela? E as respostas, eram sempre as mesmas: Penumbra, escuridão e fragmentos. Ela imaginava horizontes, vales, montanhas...E tudo era verde, sem nunca ter visto cor. Encantada, vivia em seu mundo "Encantado"!... Repetia para si mesma, a mesma pergunta, no mesmo timbre de voz: De que adianta enxergar se não consegues sentir?...
Tony Bahi@.